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  • Foto do escritorValdemir Pires

Quando eu fui a Macau (6a. parte)

O “relógio” do tempo histórico tem seus próprios fusos horários – áreas geográficas em que a história segue um ritmo e está em uma era que é diferente daquela em que vivem outras regiões. Enquanto minha visita a Hong Kong em 1998 deu-me a impressão de ser lançado em direção ao futuro, a minha ida à região fronteiriça a Macau na China pareceu me devolver ao passado.

 

A entrada na China não era totalmente livre nem tranquila. Incorporei-me a um grupo de turistas que para lá seriam levados num ônibus, com um guia autorizado, com restrições, a circular numa determinada área. Uma agência de turismo especializada oferecia o serviço. Estar “entrando na China” era algo que dava a sensação de aventura meio perigosa ou que, no mínimo, inspirava cuidados.

 



 

Ao atravessar a fronteira, o “clima” político parecia mudar imediatamente. Enquanto em Hong Kong se tinha a impressão de nada ser proibido, na borda sul do continente chinês a sensação era de que qualquer fazer, antes de ser levado a cabo, precisava ser submetido à avaliação diante de possíveis proibições. Tinha-se quase certeza de haver vigilância o tempo todo, de todos os lados. E um acontecimento que me envolveu diretamente deu provas de que não se tratava de simples encanação. Logo que descemos do ônibus e começamos a circular por uma praça ampla, uns vendedores ambulantes se aproximaram, oferecendo-nos variadas bugigangas que traziam em pequenas sacolas. Mostravam-nos os objetos de modo extremamente discreto. Um deles me abordou oferecendo relógios, Rolex – réplicas idênticas quando não observadas atentamente. Eu estava acenando negativamente com a cabeça e com as mãos quando, de repente, três policiais chegaram correndo. O rapaz, magro, de uns trinta e poucos anos, jogou a sacola nas minhas mãos. Eu fiquei desesperado, sem saber o que fazer com aquilo, os policiais se aproximando. Vários colegas perceberam a situação e se juntaram a mim, levando-me para dentro do ônibus. Ufa!

 

Passado o susto, eu estava com uma sacola de uma dezena de Rolex que, naquelas circunstâncias, tinha recebido “de presente”. Não havia como devolvê-los. Fiquei com dois e distribuí o restante entre os mais próximos. Vários anos depois, um dos colegas brasileiros que ficou com um deles me disse que ainda o estava usando, em perfeitas condições de funcionamento. Se desejasse, ainda poderia trocar o Rolex na “Feira do Rolo” que acontece regularmente nas proximidades do Terminal Central de Ônibus de Piracicaba...





Outro incidente ocorreu no restaurante onde almoçamos. Era um casarão pintado de verde e vermelho, com grandes janelas envidraçadas e telhado em estilho chinês, num lugar que parecia uma área recentemente urbanizada, com pequenas novas casas, de onde ainda se podia ver áreas de plantio. Nossa turma acomodou-se em mesas longas para as quais eram trazidas as comidas em bandejas por jovens trajadas aparentemente ao estilo regional. Uma delas derrubou a travessa cheia de pratos e copos quando se dirigia da cozinha a uma das mesas. O tempo pareceu parar, todos olhando para ela, assustados. Outras três a abraçaram e levaram para dentro da cozinha, sob aparentes xingamentos de um senhor que parecia ser dono ou gerente, enquanto outras funcionárias se encarregaram da limpeza. Os comensais voltaram aos seus lugares, continuando o almoço. Perguntaram entre si, depois da refeição, o que teria acontecido com a garota desastrada, que não mais apareceu no salão até o fim do almoço.

 

Passamos a tarde em andanças, uma das quais foi numa espécie de escola para crianças pequenas (que na ocasião estavam todas dormindo), que funcionava num lugar que era também um conjunto arquitetônico histórico, lindamente ajardinado. Havia ali também uma lojinha de artesanatos em que se era atendido por jovens rapazes. Deparei-me com uma escultura de Budas em madeira impressionantemente bem feita, as figuras entalhadas em dois nichos que se uniam, ao serem fechados um sobre o outro, formando uma cápsula de madeira cheirosa (sândalo). Tanto eu como todos os outros desejaram-na. Um dos colegas quis comprá-la de mim, no dia seguinte, oferecendo-me um valor significativo em dólares. Recusei porque achei que tinha sido e continuaria sendo minha melhor lembrança da viagem à China.

 



 

Eu a consegui porque o rapaz que a estava me mostrando propôs, em linguagem de sinais, trocá-la pelo relógio que eu tinha no pulso (um dos dois Rolex acidentalmente adquiridos). Era impressionante o quanto ele dava mostras de desejar a réplica de aço com detalhes dourados. O que indicava que a população daquela cidade, tão próxima de Hong Kong, nutria sonhos de consumo impossíveis para ela; sonhos que quem morava em Hong Kong certamente já tinha superado. Mesmo em Macau, uma réplica de Rolex já seria um sinal de pobreza impossível de esconder, os originais sendo vendidos em numerosas joalherias da cidade.

 

[Continua]


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