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Tributação e reforma: o mais complicado dos pactos

Foto do escritor: Valdemir PiresValdemir Pires


Eu não conheço ninguém, e acredito que ninguém conheça, alguém habituado a dizer: “Ai, que vontade de ir lá na coletoria, pagar um imposto!” ou “Não vejo a hora de abrir a temporada para o cálculo do imposto de renda que eu recolhi a menos este ano – adoro fazer a declaração de ajuste e pagar o valor apurado!”

 

Por outro lado, é duvidoso que algum adulto, sabedor da dificuldade para obter a renda necessária ao financiamento de sua vida, não tenha dito ou pensado, com alguma frequência, no quanto é duro abrir mão de valores que poderiam ser empregados na aquisição de algo necessário ou desejado.

 

Sim, pagar tributo (imposto, taxa ou contribuição de melhoria) não dá prazer a ninguém, muito pelo contrário. Talvez Deus, ao expulsar a humanidade do paraíso devesse ter dito, além do conhecido: “Agora ganharás o teu sustento com o suor do teu rosto” (provocando assim a invenção da Economia, ciência que estuda a alocação de recursos escassos entre fins alternativos), também: “E de tudo que com teu esforço obtiveres, uma parte será arrancada para o sustento da vida em sociedade” (obrigando a Economia a se desdobrar em Economia de mercado e Economia do setor público).

 

Não existiria e provavelmente jamais existirá economia de mercado “pura”, exclusivamente privada. Dá para entender isso, não é? Portanto, o orçamento público continuará existindo enquanto as relações de produção forem do tipo mercantil. E ele, o orçamento público, é financiado fundamentalmente por tributos, ou seja, valores que os indivíduos, se pudessem, não recolheriam aos cofres do governo, especialmente impostos (nome em si revelador), este tipo de tributo que, ao contrário da taxa e da contribuição de melhoria, não tem a obrigação de corresponder a um gasto específico, irrigando o caixa governamental para os gastos em geral, sejam eles de consumo ou de investimento.

 

Sem tributos, sem orçamento; sem orçamento, sem financiamento dos gastos que não seriam realizados pelos indivíduos, porque estes pensam em si e não nos outros, não na coletividade, não no interesse comum: não haveria governo (Executivo, Legislativo, Judiciário, força policial para a manutenção da ordem interna, forças armadas para a defesa nacional, bombeiros, ambulâncias, hospitais e escolas públicos etc.). E seria o fim da civilização tal qual a entendemos.

 

A questão crucial a respeito da tributação, portanto, não é se ela deve ou não ser aceita, mas como conseguir estabelecê-la de modo que:

1.     os potenciais sonegadores (quase todo mundo) não sejam bem-sucedidos nas suas manobras para deixarem a carga tributária nas costas dos demais;

2.     a receita auferida seja suficiente para bancar as despesas que a sociedade acha por bem serem realizadas com o orçamento público;

3.     o recolhimento seja feito com eficiência, não onerando demais o conjunto da economia, pois isso a inviabilizaria;

4.     as onerações sejam justas, não impondo carga desproporcional aos contribuintes, a partir de suas respectivas capacidades de pagamento (patrimônio ou renda).

5.      

A ira antitributária, perene em todo tempo e lugar, costuma virar grita e até revolta contra impostos a partir de certo grau de esgarçamento do pacto pelo financiamento da vida coletiva em que se constituem o sistema tributário e o orçamento público. E ela também mostra sua cara feia a cada vez que se tenta uma reforma tributária (ainda que necessária, por razões de eficiência e/ou justiça), porque nessas ocasiões todos os acomodados com o sistema em vigor temem ser incomodados e os potenciais beneficiados custam a entender que o serão.

 

Se os pactos para a manutenção da vida coletiva em padrões civilizados são sempre difíceis, os pactos que mexem no bolso (vazio ou cheio) dos indivíduos são sempre os mais dolorosos. Neles, o equilíbrio entre o que se tira do patrimônio e da renda dos contribuintes para sustentar as atividades estatais e o que o Estado oferece de volta aos cidadãos é fundamental e difícil de obter, não só porque o cálculo é complicado, em si, mas também porque ele envolve números que não são só matemática, adentrando o universo das percepções e sentimentos de natureza absolutamente subjetiva, que precisam ser compatibilizados, por bem ou por mal, com negociação ou imposição.

 

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