Cidades visíveis - Beijing
- Valdemir Pires
- há 5 dias
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Atualizado: há 2 dias

Alguém que permaneça na China por um tempo, estando livre para escolher aonde ir, não pode deixar de visitar Pequim (ou Beijing). Com tempo disponível, desejei ir de Xangai até a capital chinesa subindo pelo Mar Amarelo, mas descobri que não se trata de uma alternativa facilmente disponível, como pode parecer pela simples inspeção visual de um mapa. Dispensei voo (duração de quatro horas) e trem rápido (duração de 4 horas e meia) e não tinha como utilizar automóvel. Para apreciar o trajeto e observar aspectos do jeito de viver das pessoas comuns, escolhi ônibus, viajando por dezoito horas. Foi cansativo, mas revelador. Não são as pessoas que fazem a cidade? Sim, mas é espantoso como elas, enquanto indivíduos, não são elementos suficientes para levar ao entendimento do que a cidade é, pois a cidade não é feita de pessoas (embora seja feita por pessoas), mas é, isto sim, um construto resultante da interação entre elas: tem a face de todos, sem preservar a fisionomia de ninguém.


Os economistas estão acostumados a chamar de “milagre econômico” o que ocorre quando, em algum lugar, o produto interno bruto (PIB) dá um salto em um curto período. Como na China sabe-se o que (abertura econômica e reforma) e quem (Deng Xiaoping e seus sucessores) levou o país da pobreza generalizada, no final do século XX, à riqueza descomunal em muitas áreas, no século XXI, não cabe tratar o caso como habitualmente se faz. Nada de milagre. A China potência econômica é o resultado de um processo, em nada milagroso, que foi conscientemente concebido, iniciado, conduzido e está sendo concluído pelo Estado, combinando decisões e iniciativas nos âmbitos político, econômico e tecnológico, envolvendo as forças da sociedade civil, de pequenos empreendedores e de grandes empresas locais e estrangeiras. Esquematicamente, três grandes centros urbanos são os pontos do triângulo de sustentação do modelo chinês: Shenzhen (representando a tecnologia de ponta), Xangai (representando a economia pujante) e Pequim (representando a política centralizada pelo Partido Comunista).

Pequim é o centro decisório primeiro e último em todos os assuntos chineses, ainda que parte do sucesso da experiência de desenvolvimento econômico do país se deva a uma específica forma de descentralização em favor dos governos locais. Assim, a cidade emana poder. Não apenas o poder atual, mas também o dos antigos impérios que marcaram os milênios da existência do povo chinês. Seu quotidiano barulhento e massivo transpira esta realidade. De Kublai Khan (1215-1294) a Xi Jinping o trajeto é extenso, o tempo é longo - ambos densos.


Pequim não é uma vitrine de experiências urbanísticas e arquitetônicas recentes e ousadas, como tantas outras cidades do país. Suas vias e edifícios remontam a épocas anteriores ao do boom econômico, além de existirem numerosos sítios de preservação do patrimônio histórico riquíssimo. Chegar a Pequim vindo de Xangai, depois de ter passado por Shenzhen e Chongqing provoca uma sensação de retorno no tempo. Dá sentido ao que ouvi dizerem: “Quem quer estar no presente, vá a Xangai; quem deseja conhecer o futuro, vá a Shenzhen; quem quer reencontrar o passado, vá a Pequim.” Desde que não se esqueça que o passado (pelo menos desde 1421, com a Dinastia Ming) e o futuro que se pode encontrar em qualquer lugar da China foram forjados em Pequim e por ela mantidos. Isso tudo não significa que a capital chinesa não possua também seu quinhão de arranha-céus e construções de tirar o fôlego. Caminhar, pedalar (bicicletas não faltam!) ou dirigir de Jintai Xizhao a Jianwai Soho é mais do que suficiente para mostrar esta realidade urbano-arquitetônica.




Não se pode dizer que Pequim não é vibrante. Apenas não vibra do mesmo modo que Xangai ou Hong Kong, por exemplo. Seu trânsito de veículos (metrô, trens, ônibus, táxis, carros particulares, motocicletas e bicicletas, um mar delas) e de pedestres (um oceano deles), em muitas áreas, é intenso e conturbado; restaurantes, bares, barracas de comida de rua são incontáveis e sempre ativos; lojas, tanto de artigos de luxo como de uso popular estão por todo lado, assim como supermercados e feiras, além de shopping-centers; não são poucas as opções culturais (museus, teatros etc.), de lazer (parques, jardins etc.) e entretenimento (cinemas, parques de diversão etc.), sendo que muitas áreas urbanas enquadram-se nessas categorias, levando os chineses e turistas a caminhar por elas por mero desfrute, simplesmente passeando e fotografando - praticamente hipnotizados, como em toda grande cidade moderna. Marcas globais da moda, da relojoaria, de alimentos, das finanças etc. se fazem presentes na cidade, da mesma maneira que em qualquer outro grande centro consumidor, ocupando pontos estratégicos.


Os pontos turísticos que evocam o passado longo e glorioso são atrações globais, recebendo visitantes aos milhões por ano: a Muralha da China, a Cidade Proibida, o Templo do Céu, a Praça Tiananmen etc. Não é atração turística, mas caminhei ao lado de um muro (não muralha) que parecia não ter fim, suando e pensando: eles têm ou tinham obsessão por enfileirar tijolos e pedras para dividir o espaço...



Um dos exemplos de pujança mais recente de Pequim é o seu distrito comercial central (CBD – Central Business District), criando em 2000 e, portanto, dotado de arranha-céus e edifícios modernos, fartamente iluminados, desenhando uma skyline reconhecível. Ali estão, entre outros, o CCTV – Central Chinese TV Headquarters (a impressionante “torre vazia”, de 51 andares em vidro espelhado) e o também impressionante TVCC - Television Cultural Center.



Outro exemplar de arquitetura futurista da cidade – e um de seus ícones – é o colosso curvilíneo chamado Galaxy Soho, de 2012, que é quase uma cidade em termos de tamanho, fluxo de pessoas e de atividades desenvolvidas, desde comércio e serviços a lazer e entretenimento.



Na Xidan Commercial Street, Pequim convence de que comércio é, mesmo, um negócio da China (tanto quanto tecnologia, atualmente): ali se compra e se vende de tudo, do básico ao luxuoso e do necessário ao fútil. Ali também se passeia, come-se e bebe-se. Há bares que vendem cerveja (Jingniang Beer) em bolsas plásticas, como as de soro, penduradas em hastes hospitalares: cevada na veia! Os grandes telões de propaganda oferecem de tudo: até “experience Abu Dhabi” (e eis que Península Arábica e China convergem).






Consumo e espetáculo para preencher a vida quotidiana de quem compra, e para encher os bolsos de quem vende: negócios, negócios - negócios sob os auspícios do poder que sobre tudo paira, sobretudo paira – notem-se as onipresentes câmeras alertando: “Em Pequim, não pequem!”





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