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  • Foto do escritorValdemir Pires

Uma breve história do tempo



Sobre Uma breve história do tempo, de Stephen HAWKING, trad. de Cássio de Arantes Leite e rev. técnica de Amâncio Friaça (Rio de Janeiro: Intrínseca, 2015, 255 p.).

 

            Quem leia Uma breve história do tempo, mesmo não entendendo completamente o que nele é exposto e explicado, torna-se outra pessoa, agora capaz de ver e sentir o mundo que o rodeia de uma maneira diferente da que tinha antes da leitura. Isso porque nele Stephen Hawking atualiza os conceitos de espaço, tempo, universo, ciência, existência humana, levando em consideração os avanços obtidos pela Física ao longo do século XX, em suas vertentes relativista e quântica. Além disso, o faz trazendo de volta antigas questões filosóficas e teológicas, confrontadas com respostas científicas. Por que o mundo é assim? De onde viemos e para onde vamos? Estamos sós? Deus existe? Se existe, pode mudar a sua criação arbitrariamente?

            Trata-se do livro de divulgação científica mais bem-sucedido, com traduções em quase todos os idiomas e volume de vendas inacreditável. Mas certamente não atingiu, ainda, aquele ponto em que leva à configuração um novo modo, generalizado, de pensar a realidade – ainda somos os mesmos e pensamos como nos fez pensar Isaac Newton, para quem, como para nós, tempo é uma coisa e espaço é outra (e não um troço único chamado espaço-tempo), o tempo é absoluto (e não relativo), a gravidade é uma força (e não um questão de geometria – curvatura do espaço-tempo), o pensamento persegue leis com base na lógica determinista e não com base no princípio da incerteza trazido pela mecânica quântica.  

            Além de pesquisador brilhante, como se sabe, Hawking se revela, nesta sua sintética obra, um competente, talvez inigualável, professor e divulgador científico, mostrando passo a passo a evolução da ciência a que se dedica. Identifica os momentos de avanços/recuos e de rupturas das teorias e observações empíricas no campo da Física, da Astronomia, da Cosmologia, esmiuçando os fatos inerentes tanto quanto possível para leigos, além de identificar os responsáveis pelo ocorrido, muitos deles laureados pelo Prêmio Nobel. Uma breve história do tempo bem poderia se chamar Uma história do pensamento físico (ao modo de Uma história do pensamento econômico, filosófico, ou sociológico, por exemplo, como existem), pois se trata de um livro que recenseia e comenta a evolução do conhecimento da área pertinente, considerando a cronologia e as conquistas (fases) em termos de avanço de conceitos, métodos e práticas, culminando com um panorama do estado da arte.

            O capítulo inicial (Nossa imagem do universo) coloca a Física newtoniana e a Astronomia/Cosmologia de Ptolomeu-Copérnico-Kepler-Galileu em perspectiva face às percepções questionadoras da relatividade geral de Einstein e às descobertas revolucionárias de Huble, culminando com uma verdadeira ode à busca de novos conhecimentos com base na metodologia científica. Em seguida (capítulo 2, Espaço e tempo) a relatividade geral é sumariada, levando à conclusão de que o mundo não é tal como o percebemos no local restrito e limitado em que vivemos (um planetinha do pequeno Sistema Solar). A apresentação do universo como algo em expansão e, portanto, em permanente movimento, tendo um dia, num passado remotíssimo, surgido (Big Bang), para, num futuro também remoto, desaparecer (Big Crunch) é objeto do capítulo 3, enquanto no quarto capítulo (Princípio da incerteza), o que se apresenta são as ideias gerais da mecânica quântica, que coloca em xeque os determinismos presentes na teoria da relatividade. A esta altura o leitor já terá aprendido que a física relativística explica bem os fenômenos relacionados às grandezas cósmicas (estrelas, planetas, galáxias, grandes distâncias percorridas à velocidade da luz etc.), enquanto a física quântica se dá bem onde se lida com o infinitamente pequeno, com as partículas elementares, menores que os átomos. Fica entendido que as duas vertentes “não se bicam”. Daí resulta, como se argumenta no capítulo 5 (Partículas elementares e as forças da natureza), a necessidade de uma nova teoria, na qual as contradições e incomunicabilidades entre as anteriores sejam adequadamente tratadas, buscando-se uma explicação única para o que existe e pode vir a existir ou a desaparecer para sempre. Tal teoria levaria em consideração todas as forças existentes, bem teorizadas: a eletromagnética, a nuclear fraca, a nuclear forte e a gravitacional. Numa tal teoria, as singularidades (como o Big Bang e os buracos negros – estes, objeto do capítulo 6) deixariam de sê-lo, por serem explicadas por uma possível teoria da gravidade quântica – atual campo de teorização e experimentação. Nos capítulos seguintes (7 a 11) o que se faz é debater aspectos das teorias que disputam novos entendimentos para o que seja o tempo, para o que foi o início (se houve) e para o que será o fim (se houver) do universo, considerando-se inclusive as controversas teses dos buracos de minhoca – viagem no tempo. No capítulo 12, há uma conclusão em forma de breve resumo e um convite a todos, para seguir em frente na humana inquietação por compreender o mundo e a vida, toda ela e a própria, fazendo uso das potencialidades científicas e agregando-se as habilidades filosóficas.

            O livro termina com este parágrafo (p. 229) otimista demais:

 

(...) se de fato descobrirmos uma teoria completa [desbastando as divergências entre relatividade geral e mecânica quântica], todos acabarão compreendendo seus princípios amplos, não apenas alguns cientistas. Então, deveremos todos – filósofos, cientistas e pessoas comuns – ser capazes de tomar parte na discussão para saber o porquê de nós e o universo existirmos. Se descobrirmos a resposta para isso, será o triunfo supremo da razão humana – pois, então, conheceremos a mente de Deus.

 

Portanto, é tristíssimo ver, ouvir e sentir os desconfortáveis efeitos do absurdo movimento obscurantista que tomou de assalto praticamente todo o mundo no início do século XXI, afirmando que a Terra é plana!!! e engajando-se em religiões e seitas cujo Deus basicamente é desprovido de uma mente racional (da qual a nossa seria imagem e semelhança) e teria criado o mundo ao sabor de sua vontade inescrutável, vedando questionamentos. Deus este demasiado humano, aliás, pronto e acabado para envolver-se no famigerado mercado da fé.

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