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  • Foto do escritorValdemir Pires

Ensaios sobre o tempo na Filosofia Antiga



Sobre Ensaios sobre o tempo na Filosofia Antiga, de Fernando Rey PUENTE (São Paulo: Anablume, 2010, 166 p.)

 

            Li este conjunto de seis ensaios no primeiro trimestre de 2022, deixando de lado a costumeira olhada nos antecedentes (contracapa, orelhas, ficha catalográfica, agradecimentos, introdução), por estar com pressa para entender certos aspectos da concepção aristotélica de tempo. Entendi muito pouco. Invadiu-me a mesma sensação de quando um querido amigo, Paolo Nosella, em Araras, lá por meados de 1980, me recomendou, por estar começando uma militância política, a leitura de Platão e de Aristóteles, o que eu fiz, sentindo-me o mais intelectualmente incapaz dos seres humanos que tinham existido, existiam então e viriam a existir até a eternidade. Depois de sucessivas e angustiantes tentativas, lançando mão de comentadores e algumas conversas com Paolo (lembro-me bem de uma delas, por deliciosa, com vinho e churrasco de costelinha de porco), comecei a perceber (nem digo entender), alguma coisa, pouco antes de, com atraso, ingressar na universidade. Também me ajudava outro amigo, Antonio Sérgio dos Santos (o Moita), seminarista, que estudava Teologia e Filosofia na PUC de Campinas. Com sacrifício financeiro, comprei, então, na medida em que iam chegando em fascículos à banca, a coleção Os Pensadores, da Editora Abril; e segui lendo e pouco entendendo, mas avançando sempre um quase-nada. Retornei a Platão, Pré-Socráticos, Sócrates e Aristóteles mais de uma década depois da dolorosa experiência, nos interstícios das atividades de professor universitário na área de ciências sociais aplicadas. Evidentemente, fiz progressos na compreensão dos filósofos gregos fundadores do pensamento ocidental; e creio que meus alunos todos de alguma forma se beneficiaram com isso, pois nunca fui um professor de Economia típico, preocupado apenas com o como (maximizar utilidade), sem dedicar também atenção ao porquê e para quem levar a extremos o aumento da produtividade.

            Assim como fiz com as obras traduzidas dos filósofos gregos antigos, retornei aos belos ensaios de Puentes no primeiro trimestre de 2024, decidido a dar mais alguns passos na compreensão do conteúdo. Desta vez com calma, lendo tudo, da capa e contracapa e orelhas até a última página. E aí, três surpresas. A primeira, o fato de ser diretor da coleção Archai – As origens do pensamento ocidental, de que o livro de Puente faz parte, um ex-colega de docência na Universidade Metodista de Piracicaba – UNIMEP, Gabriele Cornelli, de quem me lembro com carinho. A segunda, a avaliação de Puente, na Introdução, com a qual concordo plenamente, a respeito da impossibilidade de, no ambiente universitário atual, praticar a reflexão filosófica (ou mesmo científica não competitiva, acrescento), devido à sobrecarga de atividades que afastam o docente-pesquisador deste fazer exigente e demorado, inútil diante dos critérios de avaliação em voga desde os anos 1990. A terceira, a visão de Puente sobre a aventura de publicar resultados de pesquisas e reflexões; concordo outra vez com ele: não se deve ter ilusões – publicar é necessário não para não perecer (ameaça produtivista explícita nos mencionados critérios de avaliação correntes), mas para dar por concluídos trajetos do pensamento próprios, a fim de iniciar outros com a mente relativamente desobstruída de pendências (que, de fato, jamais se solucionam).

            Isso dito, preâmbulo extenso demais para um comentário da obra, é preciso elogiar esta coletânea de resultados de pesquisas do autor na Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG. Seu esforço de exegese, dialogando com outros exegetas de reconhecido talento, não conseguiu, comigo, o que ele, na Introdução, disse pretender (p. 19): “O autor, por meio dessa publicação, espera apenas – plenamente ciente das limitações dos textos aqui reunidos – que seus efêmeros ensaios possam em alguma medida vir a fecundar o espírito de seus eventuais leitores, jovens ou leigos, despertando neles o gosto pela filosofia e/ou o interesse pelo intrigante e talvez irresolúvel enigma do tempo...” Digo que não conseguiu seu declarado intento comigo porque eu já tinha sido despertado para a Filosofia antes, pelo professor Nosella e pelo Moita (como já mencionei) e, quanto ao interesse pelo tempo, como eterna questão aporética, eu já o tinha ao escrever livros sobre este tema desde 2019, tanto que adquiri num sebo a obra de Fuentes para prosseguir as reflexões bem antes iniciadas.

            Mas os ensaios de Puentes me enriqueceram sobremaneira, indo além de sua modesta intenção. Para quem tinha por alto a noção da definição de tempo de Aristóteles (é o número do movimento em relação ao antes e depois) e de Platão (é a imagem móvel da eternidade), a comparação feita no ensaio O tempo e a alma (p. 127-162) representou um aprofundamento maravilhoso. Fica claro (não sem que o leitor se esforce) o que há de convergente e de divergente entre Aristóteles e Plotino (discípulo de Platão), refletindo-se atenta e diligentemente (como o fez o autor-exegeta) sobre seus textos originais. E isso é fundamental na reflexão sobre o tempo, pois ela é originária e dela partirá Santo Agostinho, referência de que não pode fugir quem quer que pretenda tratar da temática temporal: nele retornam Aristóteles e Platão (este, via Plotino, pelos textos de Basílio de Cesaréia e Ambrósio de Milão). As questões em pauta são eternidade versus temporalidade e tempo como essência do mundo versus tempo como percepção da alma intelectiva.

            Nos demais ensaios, outras viagens. No primeiro (Algumas figuras do tempo de Homero e Aristóteles), é às palavras que se recorre para uma aproximação da noção (não do conceito, propriamente) de tempo, considerando-se a escrita filosófica e a literária, nas quais o tempo recebe, digamos, vários nomes. O segundo ensaio gira em torno da ideia de súbito, em Platão, levando a percepções delicadíssimas (pela complexidade e também pela beleza), como por exemplo, a de que o súbito é uma espécie de “ponte” entre a eternidade e a temporalidade; depois desta leitura, escrevi Exaíphnes: o que de mágico há no tempo. O terceiro discute a oposição liberdade x destino considerando-se Aristóteles e uma das escolas estoicas, explorando as diferenças e consequências ético-políticas delas decorrentes. O quarto ensaio aprofunda a relação entre tempo e ação em Aristóteles, enquanto o quinto é uma belíssima apresentação problematizada da contribuição de Marco Aurélio sobre tempo e vida (que me levou a escrever O perfume de Marco Aurélio).

            Devo concluir com agradecimentos: a Fernando Rey Puentes (o autor), a Gabriele Cornelli (que o trouxe a lume), a Paolo Nosella e a Antonio Sérgio dos Santos (por motivos já mencionados) e à minha avó paterna, Joana Pires Bueno (analfabeta), que, com dinheiro obtido como lavadeira de roupas para terceiros, me ajudou a comprar a parte da Coleção Os Pensadores que, desempregado por perseguição política, em Araras, eu não poderia ter adquirido sem sua participação.

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