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  • Foto do escritorValdemir Pires

Tempo é história



O tempo, de fato, passa, pois ele é história, não apenas (embora também) no sentido de um conjunto de acontecimentos e eventos marcantes de uma biografia ou da evolução de uma sociedade: é história como “memória” das mudanças pelas quais vão passando as coisas e os seres no universo, história como numerosos indícios e pistas que permitem perceber que o atualmente existente foi diferente antes, história como rastros de desorganização e reorganização de tudo que houve, há e haverá.


Se o universo se expande, ele tem uma história, que exigiu tempo: antes foi menor; sua história está registrada no aumento da distância entre as galáxias – entre o seu começo e o seu agora há um tempo, longuíssimo. Menos longo é o tempo que transcorreu na história geológica, que se conta observando-se as diferenças no solo: sucessivas camadas, surgimento e modificação de montanhas e vales etc. Se o tronco de uma árvore apresenta seis anéis, antes teve cinco, quatro, chegando-se até quando não tinha nenhum, tendo transcorrido tempo entre a formação de um e outro. Se anda de muleta na rua, neste momento, um velho, antes houve uma criança que não precisava andar, levado no colo pela mãe – entre o bebê e o ancião, uma transformação separada pelo tempo. Os cacos de cerâmica no chão, antes, juntos, foram um vaso, derrubado pelo gato; sem que este tenha sido flagrado, não fica o registro do desastre na história – mas entre vaso e cacos é evidente o transcorrer de um tempo, de que a desorganização (que se pode chamar de entropia) dá testemunho histórico.


O tempo, enfim, está alicerçado na possibilidade de percepção de um antes e um depois, e essa sucessão é o que a história, mesmo não registrada ou sequer vista, “conta”. Nesse sentido, genericamente o tempo é história, mas universal: no universo, à revelia da presença ou ausência dos homens, o antes e o depois são natureza, pois a realidade cósmica não é estática, tem sempre um ontem, um hoje e um amanhã, embora não medidos e contados à base de giros do planeta Terra em torno de seu eixo.


Agora, a história, contada, não é genérica: é uma especificidade do homem e depende da existência de um intelecto que propicia a consciência do tempo como “lugar” móvel onde os eventos transcorrem; e depende, também, da iniciativa de alguém (dotado de códigos e instrumentos de busca e registro) para ser recolhida, registrada, armazenada, mantida, repassada, transferida.


História, no sentido humano, é informação organizada, à base de uma cronologia. Informação que “estava ali”, incessantemente sendo produzida e modificada, em diferentes ritmos, em todo o universo, e percebida como tal a partir de certas lógicas e metodologias. Informação que “estava ali” (sendo ou não convertida em algo “contado”) como consequência de transformações da natureza ou da ação humana – sim, o homem, além de contar história, faz história, de baixo impacto sobre o universo, mas de alto impacto para as comunidades humanas e, desde a industrialização e a urbanização, de alto impacto também sobre o planeta Terra.


Enquanto história, o tempo é memória, que pode ser tanto a do universo, a do planeta, a das árvores, a dos homens, a dos objetos e, puro milagre da mente, a das relações entre os homens entre si e com a natureza, na luta pela sobrevivência, pela reprodução e por poder.


Decorre do antropocentrismo exacerbado e prepotente pensar que história tem a ver apenas com a ação humana e suas causas e consequências. A história é a sucessão de todos os eventos e acontecimentos, desde o início até o fim do universo, que produzem incontáveis registros que revelam infinita quantidade de sucessões de antes e depois, nos níveis micro, meso e macro da realidade cósmica. Assim entendida, a história é o próprio tempo e o tempo é a própria história. Entretanto, fazer (enquanto agir consciente, focado em finalidades e objetivos) e contar história (recolher, organizar, registrar, propagar...), verdadeira e imaginária, são maravilhas do ser humano, ele próprio maravilha do universo, tão maravilhoso que não é um ser que apenas espera: busca; tão mais maravilhoso, enquanto indivíduo, quanto menos prepotente diante dos iguais e do mundo misterioso de que é pequenina parte.

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