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  • Foto do escritorValdemir Pires

Mente ativa, espírito atento



Para dois amigos eternamente jovens, porque sempre de braços dados com as melhores utopias: Valdemar Sguissardi e Dorgival Henrique

 

Velho é uma palavra bonita. Bem mais bonita que old (inglês) ou alt (alemão) ou viejo (espanhol). Tão bonita quanto vecchio (italiano). Para ver e sentir a beleza da palavra velho (ou velha), basta pronunciá-la lenta e atentamente, isolando as duas sílabas: ve (separando os lábios, abrindo a boca como quem quando nela vai introduzir o garfo com a comida – experimente exagerar, abrindo bem) – lho (batendo a ponta da língua nos dentes superiores, sem fechar a boca que já estava aberta ao pronunciar a sílaba anterior, mas recuando os lábios que haviam sido lançados para a frente). Bonita palavra, não é?


Mas velhice assusta. Se houvesse a opção de evitá-la, é provável que desapareceria ou se restringisse a uns poucos, lúcidos demais ou desvairados. O fenômeno carrega consigo a correta ideia de proximidade da morte, assim como da decrepitude do corpo e às vezes da própria mente. “ – Vai uma velhice aí, moço? – Hoje não. Deus me livre!”


Velhice, encarada a partir de um ponto de vista realista (aceitando a sua inevitabilidade) e neutro (sem desejo e sem repulsa) é um momento de um processo: a vida. Viver consiste em, pouco a pouco (processualmente) envelhecer, ou seja nascer(surgir)-viver (que é avançar em idade)-morrer(desaparecer). Assim, envelhecimento, embora se refira à velhice e sua temível sucessora, é um conceito que assusta menos: com quinze anos ou trinta e cinco, ninguém, com razão, se sente ou se diz (porque não é) velho; mas jamais poderá dizer que não está envelhecendo. Envelhecer, por assim dizer, dói menos que ser velho.


Quando se vive bem a vida, envelhecer não dói e, na verdade, nunca se fica velho – apenas se sente o efeito – às vezes doloroso, sim, mas contornavelmente – da chamada entropia (“desorganização”) ou da oxidação (perda de elétrons), que atinge tudo que é matéria, como o corpo humano. Além disso, com o passar dos anos, se bem vividos, enquanto o corpo vai perdendo (massa, flexibilidade, beleza), a mente e o espírito vão ganhando (conhecimentos, habilidades, capacidades, entendimento, sabedoria etc.). Deveria ser evidente que a pior velhice é aquela em que a preocupação com o corpo é tanta, que se corre, sem cessar, atrás de uma juventude eterna, descuidando do zelo com a mente e com o espírito – coisa cuja semente é lançada e cultivada antes da idade madura, provavelmente. Seria libertador entender que envelhecer não só não dói, como não é feio. Há beleza na velhice, mas não a mesma beleza que caracteriza a juventude. Mas isso fica para outra conversa... Agora, vale refletir sobre o que é envelhecer bem.


Mente ativa, espírito atento. Este é um lema válido para toda a vida, mas especialmente para a velhice, ou melhor, para todo o processo de envelhecimento. Ele propõe que se viva de um modo a ver com olhos de ver, apreciando, o espetáculo da vida. Apreciando-o com inteligência, fazendo uso da razão (tarefa da mente). Apreciando-o com o coração, fazendo uso da sensibilidade. Sem esquecer, claro, do corpo, sem o qual não existe a matéria que pensa e sente. Mas lembrando dele não como o centro, o principal, que precisa se manter permanentemente desejável, mas como a base da vida. Base, não centro. E, como base, merecedor de cuidados: sem preservar a saúde, como praticar o lema “mente ativa, espírito atento”?


Se o corpo inevitavelmente envelhece, os “órgãos” da razão e da sensibilidade não. Bem cuidados, eles são eternamente jovens (no sentido de vigorosos) e precocemente velhos (no sentido de experientes e sábios). Tanto que há idosos donos de incrível frescor (que exala, vindo de dentro) e moços e moças envelhecidos (não pelo tempo, mas pelo murchar da alma, pelo abatimento da esperança e dos sonhos).


Rita Lee certa vez disse que envelhecer não é para fracos (na verdade, ela usou como adjetivo uma expressão que pode ser politicamente incorreta: não é para maricas). Quis dizer que envelhecer é doloroso, de uma dor que só os fortes suportam. Eu digo o mesmo: “Envelhecer não é para fracos”, mas não porque é doloroso demais, mas porque é desafiador demais. E completo: Ora, desafiador é viver e, mais ainda, viver bem. Que tal tentar sob o lema “Mente ativa, espírito atento”, sempre? Com ele, com este lema, mais o coração aberto, o espetáculo do mundo se metamorfoseia em baile da vida: acompanha-me nesta dança? É um rock da Rita. (Pronuncie várias vezes, de olhos fechados, sentindo: rockdarrita-rockdarrita-rockdarrita... hum-hum-hum/hum-hum-hum lá-rá-lá/lá-lá-lá).

 

 

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