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  • Foto do escritorValdemir Pires

Quando o amor acaba



Para Tito Kehl, que ontem (11/04/2024) iniciou as Rodas de Conversa sobre o legado de Cristo - o Amor, na Biblioteca Municipal de Piracicaba “Ricardo Ferraz de Arruda Pinto”

 

Na Filosofia existem questões consideradas aporéticas, ou seja, indagações a respeito das quais uma resposta conclusiva parece ou é impossível, desafiando a lógica e a racionalidade. Assim se passa com o tempo, uma das mais antigas aporias – todos sabem o que é, mas ninguém consegue explicar o que seja (como dizia Santo Agostinho). Pode-se dizer o mesmo do amor.


Sem que se saiba exatamente o que é este sentimento humano fundamental, quando ele acaba, num relacionamento entre duas pessoas, fica a pergunta: será que um dia começou? Afinal, como pode terminar algo que jamais teve início?


Se o amor foge aos esforços racionais de explicação, por outro lado parece correr ao encontro das “explicações” poéticas, a ponto de o sentimento e as palavras se confundirem entre si (amor = poesia): cantar o amor é muito mais fácil que dissertar sobre ele. Daí o apelo que têm as histórias e as canções de amor.


Caso se queira saber a natureza e a dimensão da perda de um amor profundo, melhor deixar de lado as dissertações e teses e simplesmente ouvir, por exemplo, Ne me quitte pas (experimente aqui ,  na voz original de Jacques Brel, com tradução para o português).


Fruto talvez da banalização ou até mesmo da degradação de sentimentos, ou, mais provavelmente, do modo como funciona (e lucra) uma indústria cultural de massas, proliferam hoje canções populares que exploram (com a profundidade de uma lagoa no asfalto depois do temporal) o amor em sua dimensão paixão. Numa dessas vertentes muito disseminada no Brasil (o gênero sertanejo e, mais ainda, sertanejo universitário), o foco recai sobre a chamada “dor de corno” (ouça aqui).


Que amor foi aquele que acabou em Ne me quitte pas? Dali partindo, o que dizer do amor de que se fala em Chora corno? Há, evidentemente, uma fossa abissal separando um de outro, embora estejam os dois tipos de sentimento, presentes nas duas canções,  unidos como gêmeos siameses: falam da busca inevitável de um homem por uma mulher e vice-versa.


Não há regras para o amor; da mesma forma não as há para a poesia, para a canção, para a arte. Mas não as havendo, não deixa de existir possibilidade (e liberdade) de escolha entre as muitas regras possíveis (e até para a não-escolha). Que canção de amor escolher, para encher o coração, diante da perda? A francesa ou a brasileira aqui tomadas como exemplares?


Ao preferir um dado “tipo” de amor, ao se embalar com determinado gênero de canção de amor, quem escolhe está, no fundo, no fundo, mergulhando numa determinada visão de mundo, de homem, de relacionamentos, está abraçando não só uma ética (percepção do bom e do justo), como também uma estética (noção de beleza), já que ninguém, sozinho, inventa uma ética ou uma estética.


Quando o amor acaba (quando termina isso que o nosso Poetinha diz ser infinito enquanto dura), resta saber o que foi que teve fim e perguntar se foi melhor ou foi pior assim. Em tais situações – de derrocada do que dura para sempre – talvez seja bom, como preâmbulo para ajudar a entender o ocorrido, ouvir alternadamente, por um bom tempo, Chora corno e Ne me quitte pas, provavelmente chorando. Diante da perda, é importante ter consciência (ética e estética) do que foi (ou de quem foi) que partiu, temporária ou definitivamente.


Quanto ao amor que acaba quando acontece o que está acontecendo agora em Gaza, fica para outra ocasião, mas sabendo-se, de antemão, que o ódio que lá prevalece tem, sim, relação com o amor de que se tratou nesta breve e imprudente crônica (?) (de amor?). Se o amor que pode existir entre um homem e uma mulher se degrada, o sagrado "amor ao próximo como a ti mesmo" também declina e vice-versa, numa bola de neve difícil de frear.

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