
Artigo de Valdemir Pires no Estadão Noite de 25/06/2015.
O controle das finanças e contas públicas e do orçamento, no Brasil, é uma função constitucional e legalmente bem estabelecida. A Constituição Federal de 1988 e a Lei 4.320/64, reforçadas pelas Leis Complementares 101/00 (Lei de Responsabilidade Fiscal) e 131/09, além de vários dispositivos da Lei das Licitações e Contratos (Lei 8.666/93) dão conta dos requisitos formais para o exercício desse tipo de controle, que, aliás, nas duas últimas décadas se revestiu de um aparato institucional que se pode chamar de espetacular: no nível federal a Controladoria Geral da União mudou a cara do controle interno, enquanto que o Tribunal de Contas da União foi muito reforçado. Houve, ainda, alguns avanços em termos de controle direto pela sociedade (orçamentos participativos, conselhos gestores de políticas públicas, audiências públicas, etc), estes rechaçados de algum modo pelo Congresso Nacional ao se antepor à recente iniciativa de regulamentar a participação popular. E, além disso, o Ministério Público tem atuado crescentemente neste front.
E surge agora a proposta de criação, no Legislativo, de novo aparato de controle. É de se perguntar do que se trata e qual a finalidade. Se a legislação é consistente, se as estruturas estão firmes, o que faz com que se pense em criar novas normas e órgãos, aumentando ainda mais o custo do sistema de controle? Já foi feita uma avaliação da eficiência, da eficácia, da efetividade e da relação custo-benefício do que já existe, atentando para a necessidade de melhorar rotinas, procedimentos, processos e aferir adequação de posturas e comportamentos?
O Tribunal de Contas é um órgão auxiliar do Congresso Nacional para controle das finanças públicas. A Comissão Mista do Orçamento deste Congresso é tida, em comparações internacionais, como uma das mais funcionais. A quantidade de estudos sobre essa função legislativa, em nível acadêmico, só faz crescer e se sofisticar, na esteira do debate sobre accountabililty. De que modo todo este manancial de fatos e ideias tem ajudado no avanço desse campo da gestão pública no país? Eis outra questão gritando por resposta.
Por último: sabendo-se que as finanças e o orçamento públicos são fenômenos tecnopolíticos, em que política e ciência/técnica se mesclam indissociavelmente, cabe averiguar em que medida o mix desses universos do pensar/agir estão equilibrados nas práticas quotidianas da República e em que medida eles estão sendo republicanos. Quem controla, afinal, o controlador quando a res é pública, num país em que o patrimonialismo deitou profundas raízes e o zelo para manter a desigualdade atinge níveis alucinantes?
Valdemir Pires é professor do curso de Administração Pública da Faculdade de Ciências e Letras da Unesp de Araraquara
Este artigo foi publicado originalmente no Estadão Noite de 25 de junho de 2015.
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