A diferença entre a gestão orçamentária e a gestão financeira
- Valdemir Pires
- 13 de set.
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Em síntese, a gestão orçamentária cuida essencialmente de dois processos fundamentais das finanças públicas: o planejamento orçamentário e a autorização legislativa para a realização de despesas. Já a gestão financeira lida com a execução orçamentária, propriamente dita, ou seja, lida com os procedimentos por meio dos quais o que foi planejado pelo Poder Executivo e aprovado pelo Poder Legislativo, nas fases anteriores, ganha materialidade, na medida em que os recursos financeiros que ingressam nos cofres públicos vão sendo liberados para os gastos previstos e aprovados.
No planejamento orçamentário, a cargo do Poder Executivo, a receita total e com cada uma das fontes é estimada para um período (plurianual ou anual, conforme o caso) e, contando fundamentalmente com esta fonte de financiamento e outras que eventualmente venham a ocorrer, fora do planejado, as despesas são fixadas, procurando-se manter a saúde financeira do município. Em seguida, a proposta orçamentária é enviada ao Poder Legislativo, para aprovação, podendo haver modificações, que retornam ao Poder Executivo para sanção. Tanto a elaboração como a aprovação legislativa ocorrem em momentos que antecedem o ano fiscal a que se refere o orçamento. Portanto, não são envolvidos, ainda, recursos financeiros, a não ser como unidades de medida do planejamento orçamentário. Trabalha-se, de fato, com dotações orçamentárias ou autorizações legislativas para gastar, cuja melhor definição, do ponto de vista da gestão é: estimativas de gastos, amparadas em expectativas de receitas, classificadas conforme sua destinação para funções, subfunções, programas, subprogramas, categorias econômicas e elementos de despesas. Em outras palavras, o que um orçamento (plurianual ou anual) apresenta é um conjunto de previsões de gastos, dependentes de arrecadação futura, devidamente especificados, autorizados pelo “povo” (por meio de seus representantes); essas autorizações denominam-se dotações orçamentárias.
É na fase da execução orçamentária que as dotações orçamentárias se revestirão de recursos financeiros para que, afinal, sejam gastas. Nessa fase, a liberação dos recursos ocorrerá em função do fluxo de receitas que o governo irá auferindo ao longo do tempo. De fato – daí se tratar de gestão financeira – é nesse momento que o governo lida com seu fluxo de caixa, ou entrada e saída de dinheiro. A previsão orçamentária anual é dividida em períodos menores (meses, bimestres, trimestres, quadrimestres) e as liberações de recursos para os entes e órgãos do governo vão sendo feitas paulatinamente, constituindo-se em verdadeiras autorizações executivas para gastar (em complementação “autorizações legislativas para gastar”, em que se constituem as dotações orçamentárias, como já se afirmou).
O objetivo da gestão financeira é assegurar um fluxo de caixa que não seja negativo (despesas maiores que receitas) ou que, sendo negativo, seja passível de reequilíbrio em pouco tempo, sem maiores despesas financeiras ou danos ao dinheiro público. Ao passo que a gestão orçamentária tem por finalidade garantir que nenhum gasto não autorizado se realize e que a as despesas se adequem às estimativas de receita anuais ou plurianuais.
Ao final do período (anual ou plurianual), deve-se obter equilíbrio ou superávit, tanto orçamentário quanto financeiro: não se pode gastar mais do que o autorizado (equilíbrio orçamentário) e não se deve gastar mais do que é possível pagar com as receitas obtidas (equilíbrio financeiro), a não ser em situações excepcionais, amparadas pela lei.
Para que os desequilíbrios sejam evitados é que se faz necessária a gestão financeira de curto prazo (materializada nas programações financeiras de desembolso): na medida em que, em algum mês, bimestre, trimestre ou quadrimestre, a expectativa de receita se frustre em relação à média esperada na estimativa orçamentária inicial, deve haver contingenciamento, ou seja, redução da liberação de recursos para os entes e órgãos governamentais (que, então, deverão gastar menos do que suas dotações orçamentárias inicialmente previam). Por outro lado, o destino de eventuais receitas superiores às estimadas deve ser decidido para as melhores aplicações, de acordo com o plano de governo.
O quadro 1, abaixo, explicita as tarefas específicas que competem à gestão orçamentária e à gestão financeira, sem perder de vista a indissociabilidade entre elas. Este quadro deve deixar suficientemente claro que a gestão orçamentária tem por finalidade precípua assegurar que os objetivos e metas do plano de governo concebido pelo Executivo (e aprovado pelo Legislativo) sejam perseguidos com o uso do dinheiro público, ou seja, a gestão orçamentária lida com questões de efetividade (impacto dos gastos sobre a realidade e sobre as condições de vida dos públicos-alvo) e com questões de eficácia (obtenção do que se deseja, operacionalmente, ao gastar os recursos); enquanto que a gestão financeira tem a ver com a eficiência ou economicidade: obtenção do máximo de resultados com o mínimo de despesas, otimização de cada unidade monetária dispendida.
A combinação de ambas as vertentes – orçamentária e financeira – leva a que um fluxo de caixa ótimo (maximização de receitas e minimização de custos, inclusive financeiros quando houver necessidade de endividamento), seja utilizado de modo a garantir políticas públicas e serviços públicos adequadamente provisionados, com máxima satisfação dos cidadãos-eleitores-contribuintes e demandantes/usuários de tudo que é oferecido pelo governo.
Numa acepção mais formal e legalista, a gestão orçamentária e a gestão financeira devem, conjuntamente, assegurar que o governo tenha dinheiro suficiente para bancar os gastos que tem autorização legislativa para realizar. Sem que seja praticada de forma integrada, corre o risco de falhar em uma das ou em ambas as partes, porque sem a integração pode haver dinheiro disponível sem autorização para gastar, ou autorização para gastar sem suficientes recursos para fazê-lo.
Quadro 1– Tarefas específicas da gestão orçamentária e da gestão financeira
Gestão orçamentária | Gestão financeira |
Elaboração do Plano Plurianual de governo (Executivo, a cada 4 anos). | Estimativa de receita para a elaboração dos orçamentos plurianuais (a cada 4 anos) e anuais. |
Aprovação do Plano Plurianual (Legislativo, a cada 4 anos). | Monitoramento permanente da evolução das receitas e liberação proporcional de recursos para o uso das dotações orçamentárias (programação financeira de desembolso, que consiste num fluxo de caixa). |
Elaboração das Diretrizes Orçamentárias (Executivo, anual). | Medidas para o contingenciamento de despesas no caso de eventual frustração da estimativa de receita. |
Aprovação da Lei de Diretrizes Orçamentárias (Legislativo, anual). | Deliberação sobre o uso de recursos financeiros que eventualmente excedam a estimativa de receita; e indicações para a abertura dos créditos adicionais correspondentes. |
Elaboração do Orçamento (Executivo, anual). | Providências financeiras (obtenção de receita adicional ou corte de despesa escolhida) no caso de eventual renúncia de receita. |
Aprovação da Lei Orçamentária Anual (Executivo, anual). | Administração da dívida pública flutuante e consolidada, dos precatórios judiciais, da concessão de garantias e dos riscos fiscais. |
Solicitação de créditos adicionais (Executivo, conforme as necessidades). | Garantia de recursos financeiros para a realização das dotações orçamentárias que tenham limites mínimos de gastos estabelecidos constitucional ou legalmente (Exemplo: despesa com educação e com saúde). |
Aprovação de créditos adicionais (Legislativo, mediante solicitações do Executivo). | Manutenção dos gastos no limite de seus tetos constitucionais e legais (Exemplo: despesa com pessoal). |
Providências legais no caso de eventual renúncia de receita. | Manejo quotidiano dos recursos financeiros em caixa e bancos, evitando ociosidade e aproveitando oportunidades de ganhos financeiros. |
Monitoramento do cumprimento dos limites constitucionais e legais para as despesas públicas. | Gestão tributária: lançamento, arrecadação e recolhimento de tributos. |
Monitoramento e proposição de atualização da legislação tributária (Executivo). | Inscrição de valores na dívida ativa e sua negociação ou cobrança, inclusive em juízo. |
Aprovação de propostas de atualização da legislação tributária (Legislativo, quando solicitada). | Medidas de ajuste fiscal para evitar o desequilíbrio ou retomar o equilíbrio (responsabilidade fiscal). |
Fonte: elaboração própria.
Bem entendidas as diferenças entre o que é a gestão orçamentária e o que é a gestão financeira, torna-se fácil compreender que cada uma delas exige habilidades diferentes, que devem ser integradas no processo quotidiano de obtenção e gasto do dinheiro público.
A gestão orçamentária requer, essencialmente, habilidades políticas, negociais, para se chegar a uma alocação de recursos públicos coletivamente decidida. Primeiro, no momento da feitura do orçamento, o Poder Executivo deve chegar a um conjunto de programas, projetos e atividades (em que serão realizados os gastos) que represente decisões que satisfaçam a todos e a cada um: cada unidade orçamentária ou órgão do governo terá à sua disposição recursos para funcionar, e o governo, no conjunto, terá suas unidades operacionais atuando alinhadas a seus objetivos estratégicos e metas sociais. Em seguida, o Poder Executivo deve conseguir aprovação dos diferentes agrupamentos político-partidários que compõem o Poder Legislativo. Ao longo da execução orçamentária, deve haver negociações internas ao Executivo e na sua relação com o Legislativo, a fim de que as alterações orçamentárias que se façam necessárias sejam viáveis.
A gestão financeira, por sua vez, demanda habilidades técnicas especiais, de natureza econômica, pois é presidida pela lógica do dinheiro: uma mercadoria especial que tem seu próprio custo e funciona como o principal meio para a viabilização das ações governamentais. Ela tem por finalidade manter os diversos segmentos da estrutura governamental abastecida de fundos, no momento em que se fazem necessários, ao menor custo possível, além de zelar para que estes fundos estejam aplicados de forma eficiente (onde rendam o máximo possível) entre os destinos viabilizados pelas circunstâncias legais e mercantis.
É muito difícil que as habilidades de gestão orçamentária e de gestão financeira sejam dominadas por um único indivíduo (não obstante seja possível). Assim, a integração entre elas depende de que os profissionais de cada uma das áreas atuem em consonância entre si, em diálogo com o tomador último de decisão (o Prefeito), alinhando constantemente suas perspectivas decisórias e de ação. A gestão orçamentária e financeira é, pois, uma arte de equipe, que muito deve à liderança e coordenação.
No quotidiano da gestão orçamentária e financeira, as habilidades exigidas são, pode-se dizer com segurança, tecnopolíticas, abarcando, simultaneamente, a competência e a apetência para o diálogo em torno das decisões alocativas de recursos escassos entre fins alternativos (aspecto técnico, econômico-financeiro), de modo a contentar expectativas políticas de curto, médio e longo prazos, acomodando virtuosamente diferentes interesses em jogo (aspecto político), sem perder de vista o interesse coletivo, o bem-comum o bem-estar social.




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