Profissão, modo de vida e geração Z (nem-nem)
- Valdemir Pires
- 11 de mai.
- 3 min de leitura

Modo de vida é um conceito (em processo de construção) que procura explicar a existência individual em sua conexão com a realidade socio-econômica-política-cultural, indo do particular para o geral. Concebe a existência humana (o ser) como fenômeno em parte moldado/condicionado pelo mundo/outros, em parte concebido/engendrado pelo indivíduo, ao sabor das relações interpessoais/sociais, conforme eventos de natureza tendencia e também fortuita.
Em contexto mercantil capitalista (ou seja, levando-se em conta o modo de produção dominante e, portanto, tendo como ponto de partida a visão de mundo marxista), um dos fatores mais determinantes do modo de vida é a condição de classe do indivíduo, que lhe impõe limites às escolhas, na medida em que qualquer opção de modo de vida só é viável se puder ser economicamente sustentada.
Classe, entretanto, entendida diferentemente de como a via Marx: derivada não da propriedade ou não dos meios de produção, mas sim do efetivo acesso aos resultados do processo produtivo-distributivo em vigor na economia baseada nas trocas (mercado). Isso quer dizer que as classes passam a ser a rica, a pobre e a média, conforme o patrimônio e a renda de que disponham os contingentes de indivíduos que as compõem, estes obtidos seja empreendendo (gerindo capital produtivo e produzindo mercadorias a serem comercializadas), trabalhando (ofertando mão de obra contratada pelos capitalistas ou diretamente oferecida aos consumidores finais) ou especulando no mercado financeiro.
Isso posto e compreendido, entenda-se, em seguida, como profissão, aquela atividade a que se dedica um indivíduo com o objetivo de sustentar-se financeiramente. Trata-se de um fazer quotidiano, obediente a regras sociais específicas, por meio do qual um agente econômico oferece o seu fator de produção vivo (trabalho realizado com uma ou mais habilidades específicas que contribuem para a geração de bens e serviços úteis a terceiros), recebendo em troca remuneração em moeda, com a qual pode acessar em seguida, nos diversos mercados de bens e serviços, o resultado dos trabalhos alheios, tal como demonstrado no esquema conhecido como fluxo circular da renda.
Assim sendo, a profissão deve ser considerada, simultaneamente, como um aspecto fundamental do modo de vida – configurando o modo de ganhar a vida – e como a condição de financiamento do modo de vida. Ou seja, o modo de vida depende da profissão (que propicia as compras necessárias para mantê-lo) e, por outro lado, o tempo que seu exercício demanda define, em grande medida, este modo de vida. Por exemplo: o modo de vida de um profissional liberal como um médico (classe média), é delineado pelo que ele faz durante suas jornadas de trabalho no consultório e no hospital e também pelo que ele pode e escolhe fazer, depois de cumpridas suas obrigações profissionais diárias, com a renda obtida e com o patrimônio acumulado a partir delas. Uma auxiliar de enfermagem (classe baixa), experimentará outro modo de vida. O acionista majoritário e principal beneficiários dos lucros e dividendos (classe rica) do centro hospitalar em que ambos atuam, usufruirá, por sua vez, de outro modo de vida. É como se modos de vida fossem mundos diferentes a que pertencem os indivíduos, conforme seus níveis de acesso à riqueza, embora esses mesmos indivíduos, profissionalmente falando, convivam e colaborem entre si no mesmo mundo do trabalho, organizado sob o formato empresarial.
É interessante notar que na atual fase do capitalismo declina o apelo que tem a dedicação a uma profissão. A ideia de um modo de vida baseado no fluxo existencial configurado pela sequência inexorável que compreende nascer (numa família, com pai e mãe que criem), crescer (educado por uma família), estudar (numa escola e faculdade), obter um emprego com os conhecimentos/habilidades adquiridos com os estudos (numa empresa), constituir família, sustentá-la, aposentar e morrer – essa ideia, que garante a funcionalidade do sistema de mercado, vai rapidamente se tornando obsoleta. O hoje que se atribui, erroneamente culpabilizando-a, à atitude nem-nem (nem estudar, nem trabalhar) da geração Z, nada mais é que uma reação ao começo do fim da viabilidade do mecanismo socioeconômico-político (sistema de mercado, na economia, combinado com regime democrático, na política) engendrado e consolidado ao longo dos séculos seguintes às revoluções científica e industrial, coerente com o humanismo/iluminismo que as acompanham. Que modos de vida pode almejar a geração Z e como pretende ela torná-los possíveis? A resposta a estas perguntas pode trazer esclarecimentos importantes sobre o porvir.
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