Anexar as estrelas?
- Valdemir Pires
- 3 de mai.
- 4 min de leitura

Ambição: forte desejo de poder ou riquezas, honras ou glórias; anseio veemente de alcançar determinado objetivo, de obter sucesso; pretensão, aspiração, cobiça, cupidez amplificadas ao máximo. É, a um só tempo, motor e combustível para realizações incomensuráveis, da parte de quem não aceita obstáculos, destruindo-os, se necessário, mesmo em se tratando de pessoas ou populações.
Império: soberania de uma pessoa, família, organização ou grupo sobre vastas áreas, populações ou âmbito de atividade, capaz de se manter quando questionada ou atacada.
Não há império sem ambição. Como a ambição é atributo humano, não há império sem Imperador: a figura humana portadora da ambição necessária à criação ou sustentação do império.
A História registra um comentário de Cecil John Rhodes (1853-1902), agente britânico na África colonizada, bem útil ao entendimento do papel da ambição na configuração do império: “O mundo está quase todo dividido, e o que resta dele está sendo dividido, conquistado e colonizado. Pensar nessas estrelas que você vê no céu à noite, esses vastos mundos que jamais alcançaremos. Eu anexaria os planetas se pudesse; penso sempre nisso.” Numa frase-síntese: “Se eu pudesse, anexaria as estrelas”. A ambição levada a extremo, não cabendo no planeta.
Será que houve, na Antiguidade ou na Idade Média, indivíduo com tal ousadia? Na Idade Média, isso seria considerado heresia: corresponderia a querer ser mais que Deus. Na Antiguidade, a evocação, por exemplo, de faraós e grandes conquistadores (Alexandre, dentre eles, uma síntese expressiva) oferece a oportunidade de dizer que sim, nessa era alguém “sonhou grande demais”; mas não tão grande, como Cecil Rhodes – quando muito, chegou a dizer: “Anexarei vastas regiões da Terra”.
A Idade Moderna produz um homem novo. No conjunto (em sociedade) ele é o homem capaz de façanhas antes inimagináveis, graças à evolução das ciências e às suas aplicações tecnológicas; enquanto indivíduo, ele se afirma como dono de si (ente contratual, vontade a ser respeitada), mas o faz com dificuldades para se destacar da massa homogênea típica do novo ambiente urbano-industrial. Tendo “matado” Deus e o sepultado em algum lugar nas terras onde antes caçava, pescava e, por último, semeava e colhia, agora está só e por sua conta, junto com todos os outros, um pouco diferente, mas bastante igual aos demais. Nietzsche (1844-1900) o convida a tornar-se super-homem ou, alternativamente, submergir no que dirá serem falsas ideias (religiosas) que o impedem de tomar a vida em suas próprias mãos e ser feliz enquanto pode, aqui mesmo (nada de imaginários céus).
Candidatos a super-homem não faltaram, não faltam nem faltarão. Hitler, por exemplo, de abominável memória.
As primeiras décadas do século XXI – talvez o portal para ingresso no tempo característico de uma nova Idade da História (pós-moderna por vir depois da moderna, mas carente ainda de um nome adequado) – têm sido terreno fértil para o surgimento de alguns projetos de super-homem ou protótipos de Cecil Rhodes. Por mais que possam ser caricatamente esboçados, são dotados de personalidades singularmente ambiciosas. Alguns são bastante representativos de sua condição. Três são icônicos.
Donald Trump (1946-), 47º. presidente dos Estados Unidos. Se pudesse, anexaria todas as rotas do comércio global; se pudesse, faria de seu país e do mundo, uma extensão de suas empresas, fazendo de Xi Jinping um seu “Aprendiz”.
Elon Musk (1971-), empresário sul-africano globalmente inserido e conhecido, dono, entre outras, da SpaceX e da Starlink. Se pudesse, colonizaria Marte, já tendo conquistado a posição de dono das mais eficazes tecnologias para lançamentos espaciais e para organização de sistemas de satélites para comunicação planetária.
Mohammed Bin Salman (1985-), príncipe herdeiro da Arábia Saudita, concebeu e comanda o Projeto Neom, um conjunto de empreendimentos urbano-tecnológicos que pretende fazer de seu deserto país um lugar onde os ricos e muito ricos poderão tornar suas vidas uma experiência de conforto e bem-estar materiais – e de ostentação – como nunca se viu antes, ao custo de trilhões de dólares (suficientes, provavelmente, para acabar com a miséria extrema no mundo todo).
Diante do que pensam e frente a como agem esses três pretensos super-homens, tudo o que a Europa construiu até aqui, como padrão civilizatório, mingua, talvez até naufrague. Eles são portadores de uma ambição e, também, de poder e riquezas, que lhes permitirão chacoalhar o mundo por algum tempo. Por quanto tempo e com que resultados concretos, o futuro dirá. Por enquanto, eles não anexam às suas todas as vontades, mas são crescentes aquelas que se fascinam com seus comportamentos e feitos.
Estadistas, generais e diplomatas – agentes/mandatários do Estado-nacional, ou seja, de vontades coletivas intra-fronteiras típicas do mundo moderno – estes se tornaram, na forma como vai se desdobrando a aventura humana na Terra, em ambiciosos de um naipe cujas cartas não são as do jogo global futuro, sem fronteiras nem limites nem política, tal como entendida e praticada até o final do século passado. Neste jogo novo, os menos ambiciosos e os não-ambiciosos só têm a perder. Neste jogo, será mais fácil um camelo, uma estação espacial ou a Trump Tower passarem, juntos, pelo buraco de uma agulha, do que um pobre adentar o mundo do consumo mínimo necessário à vida digna. A esperança é que os super-homens deste início de século não passem de maus-exemplos, malsucedidos, de que nos lembraremos, no futuro, com tanta antipatia quanto de Hitler, por exemplo.
Trump tem 78 anos, Musk tem 53 anos e Mohammad bin Salman tem 39 anos. O século XXI tem 25 anos, três potências geoestratégicas em crescente confronto (Estados Unidos, China e Europa) e talvez uma centena de empresas de alcance global. A população mundial atinge aproximadamente 8 bilhões de habitantes; desses, quantos são ambiciosos de primeiro nível (como Trump, Musk e Mohammad bin Salman) e quantos são os ambiciosos de segundo e terceiro níveis (com poder/riqueza e sem poder/riqueza)? Certamente poucos, pouquíssimos em termos relativos e absolutos. Até onde poderão chegar e com que consequências para todos os demais? São perguntas que não estão sendo feitas, mas deveriam.
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