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Opção existencial e felicidade

  • Foto do escritor: Valdemir Pires
    Valdemir Pires
  • 10 de mai.
  • 3 min de leitura

O capitalismo é um modo de produção, como teorizou Karl Marx (1818-1883), com grande e duradouro impacto, desvendando o funcionamento da sociedade de classes que se desenvolve por meio da acumulação de capital, que é uma forma de exploração do trabalho sem coação direta (como no escravismo) ou vinculação por descendência (como no feudalismo), que o sistema de trocas (mercado) viabiliza e disfarça.

 

O capitalismo tornou possível a mobilidade de classes. Enquanto nos tempos feudais nobres e plebeus nasciam e morriam nobres e plebeus, na era capitalista a classe em que alguém nasce não necessariamente será aquela em que morrerá: tanto um operário pode vir a ser capitalista (ainda que pequeno), quanto um capitalista pode perder esta condição se não mantiver operando as engrenagens do capital sob seu comando.

 

Sob o capitalismo, portanto, os modos de vida (conceito que é neste ensaio apresentado) não se limitam aos quatro existentes na fase histórica anterior do desenvolvimento econômico, a saber: nobre e plebeu (modos de vida básicos), monástico e militar (modos de vida derivados). Uma vez tornados sustentáveis (por meio da acumulação de capital ou da oferta de força/habilidade de trabalho), diferentes modos de vida podem ser vivenciados/experimentados, no capitalismo, retendo uma relativamente numerosa classe média (grande novidade desse modo de produção) a capacidade de inovar nesse tocante.

 

Tendo em vista que qualquer modo de vida é viável somente na medida em que possam seus adeptos sustentá-lo economicamente, fica claro que nem todos podem escolher o modo de vida que lhe parece o mais conveniente. Aos mais ricos abrem-se maiores oportunidades; aos mais pobres restam as opções menos onerosas. Nem se imagine a possibilidade de um operário adotar o modo de vida de turista perpétuo, indo de cidade a cidade em diferentes países, pois o trabalhador pode, quando muito, realizar uma ou outra viagem barata de tempos em tempos. Mas ele pode, entretanto, em vez de se tornar um religioso caritativo com vida familiar padrão, optar por ser um solteirão boêmio, perdido (e encontrado) nas noites dos finais de semana.

 

O modo de vida é uma espécie de nicho no universo do modo de produção. E a ele se liga, como aspecto mais aparente, um estilo de vida. A realidade última/verdadeira de um indivíduo localiza-se na sua condição de classe – é herdada, não escolhida; o seu modo de vida diz respeito ao nicho em que ele consegue se colocar para usufruir ou sentir-se usufruindo a melhor vida possível dentre as que lhes são acessíveis – é conquistado mediante trocas mercantis e relacionamentos sociais.  Já o estilo de vida, é uma imagem que se pretende passar de si aos outros, não raro o indivíduo iludindo-se a si mesmo com ele.

 

Classe (condição decorrente do lugar ocupado no modo de produção), modo de vida (opção feita diante do leque de possibilidades de acordo com a condição de classe) e estilo de vida (imagem construída com a finalidade de ser visto pelo outro conforme se deseja) são os elementos que se combinam, sempre conflituosamente, na psique e nos relacionamentos interpessoais e sociais, sustentando uma opção existencial.

 

A almejada felicidade é uma condição em que a opção existencial satisfaz o indivíduo, tendo ele: 1. aceitado pertencer a uma classe (ou, pelo menos, conseguido suportar trajetória para sair de uma classe inferior para acessar uma superior), 2. introjetado um modo de vida em que não se sente mal, 3. adotado um estilo de vida que consegue bancar com seus talentos e esforços, sem sentir-se diminuído. Estilo de vida incompatível com modo de vida gera, no mínimo, desconforto/tristeza; modo de vida incompatível com condição de classe é caminho certo para desastres intermináveis e, portanto, infelicidade.

 

Não há atalhos para encontrar o bem-viver, por mais ajuda ou auto-ajuda a que se possa recorrer: há que se encarar a realidade da condição humana, que inclui uma busca incessante de si mesmo, em meio aos outros buscadores, todos vivendo sob condições pré-estabelecidas pelo modo de produção/distribuição em vigor, escolhendo entre alguns modos de vida acessíveis, adotando estilos de vida compatíveis com esses modos de vida.

 

 Na escolha de qualquer opção existencial, conta o desejo (estritamente individual, no tocante a estilo de vida), mas sem que este seja colocado frente a frente com os limites sociais, econômicos e políticos (modo de produção), na busca de um modo de vida desejável e, ao mesmo tempo, sustentável, ele (o desejo, em si mesmo e por si só) será o motor da locomotiva que conduz ao abismo, que é o simétrico oposto ao céu com que se sonhou ao iniciar a caminhada.

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