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Previdência social não é assistência social

  • Foto do escritor: Valdemir Pires
    Valdemir Pires
  • há 2 dias
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Imagem: Wix
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Desde a Constituição de 1988 concebe-se o orçamento público conforme três vertentes: o orçamento fiscal (OF), o orçamento da seguridade social (OSS) e o orçamento dos investimentos das empresas estatais (OI). Essas definições são úteis para distinguir as receitas e despesas conforme sua relação com as funções do Estado: intervenção direta na economia (OI), políticas sociais específicas - saúde, previdência social e assistência social (OSS), demais funções estatais (OF). Causa estranheza o fato de as políticas de saúde, previdência social e assistência social sejam destacadas do orçamento fiscal, enquanto as demais, inclusive educação, por exemplo, permanecem no orçamento fiscal. Por que isso acontece? Porque é um arranjo conveniente sob dois pontos de vista: primeiro, o da gestão do emaranhado tributário do país, no qual fontes de receita com impostos e contribuições sociais, além de contribuições parafiscais, misturam-se, sem que se questione o porquê dessa inadequação; segundo, o da necessidade de levantar financiamento para o que se toma por atenção ao trabalhador, esta entendida como o conjunto que contempla aposentadoria, socorro frente ao desemprego e manutenção de condições físicas para o trabalho (saúde).

 

O que essa classificação, de fato oportunista, esconde, é um dado que precisa ser trazido à tona, para que seja tratado adequadamente nas finanças públicas. Saúde do trabalhador (ou de qualquer cidadão sem acesso a plano de saúde) e seguro desemprego, assim como políticas de renda familiar garantida (bolsa família, por exemplo) e socorro à velhice sem  aposentadoria (benefício de prestação continuada) são, verdadeiramente, itens de políticas sociais de natureza assistencial, devendo, pois, seu financiamento vir do orçamento fiscal, pois trata-se de gastos que devem ser assumidos pela sociedade como um todo, por meio de impostos e contribuições parafiscais dirigidas (temporárias ou permanentes). O que não é verdadeiro para o caso da previdência social: esta é uma intervenção do Estado na economia que visa garantir a sobrevivência dos trabalhadores após a perda de capacidade laboral, característica da velhice. Como o indivíduo (em geral) não é previdente o suficiente para prover poupança para a fase final da vida, o Estado o obriga a recolher parte do salário mensal com esta finalidade, tornando-se o depositário deste recurso, a ser devolvido na ocasião em que se torna necessário. Organiza-se, assim, um sistema de transferências intergeracionais, no qual os trabalhadores na ativa contribuem para que os que se aposentam não fiquem sem rendimentos (benefício previdenciário). O fundo previdenciário deve, por isso, ser isolado da dinâmica de receitas e despesas públicas convencionais. As contribuições que ele recebe pertencem aos trabalhadores que as fizeram com o objetivo de, lá na frente, resgatá-las, ainda que, como costuma acontecer, com prejuízo financeiro, já que se em vez de contribuir compulsoriamente com a previdência, o trabalhador fizer aplicações no mercado financeiro, terá um retorno superior ao obtido deixando o dinheiro nas mãos do governo por décadas.

 

É preciso entender e aceitar que previdência social não é assistência social. Previdência ocorre na situação em que o trabalhador poupa quando na ativa, para ter como se sustentar ao parar de trabalhar. Assistência (do Estado, com recursos da sociedade) é o que ele recebe nas situações em que não foi previdente, seja porque não pôde (salário insuficiente para sobreviver no presente), seja porque não teve suficiente cuidado com relação ao seu futuro (gastos excessivos no presente, apesar de bom salário).

 

É preciso, pois, desemaranhar previdência e assistência social no orçamento público brasileiro (ou seja, por em questão a noção genérica de seguridade social), para que não se fique, a cada cinco anos, correndo atrás de insuficientes e impopulares reformas da previdência. Essas reformas geralmente reduzem benefícios previdenciários (apesar do aumento das contribuições previdenciárias), para permitir o financiamento de assistência social (genérica, e não apenas ao trabalhador), que deveria ser bancada com impostos (e não com contribuições previdenciárias, que são parafiscais), pagos pelo conjunto da sociedade (de preferência via tributação progressiva). O que leva à conclusão de que além de uma reforma tributária, o Brasil precisa de uma reforma orçamentária, na qual os orçamentos públicos sejam quatro: orçamento das empresas estatais (considerando os investimentos, assim como os retornos, a serem convertidos em gastos públicos que convém delinear), orçamento da previdência social (receitas e despesas do fundo público destinado às aposentadorias) e orçamento fiscal, dividido em dois: orçamento fiscal para políticas sociais (OFPS – saúde, educação, habitação popular, assistência social, por exemplo) e orçamento fiscal geral (OFG), para as demais políticas públicas (administração, planejamento, infraestrutura, urbanismo, ciência e tecnologia, defesa, segurança pública etc.).

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