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O recolhimento dos escombros estelares



Artigo de Valdemir Pires no Estadão Noite de 30/09/2015.


Para quem não sabe, o Partido dos Trabalhadores (PT) foi uma esperança, para o Brasil e para o mundo, nos anos 1980. Nasceu pelas mãos dos trabalhadores, no contexto da redemocratização; e estruturou-se a partir das bases, que o controlavam por meio dos então chamados “núcleos de base”, espaços orgânicos da vida partidária, respeitados pelos diretórios, que interagiam com os movimentos sociais, então em ascensão. Teve um programa efetivamente seguido pelos seus filiados, os quais eram expulsos caso transgredissem, mesmo se tivessem mandatos (basta lembrar os casos emblemáticos de Airton Soares e Beth Mendes).

Esperança para o mundo: uma esquerda democrática, cuja revolução se daria por meio da contra-hegemonia de ideias, mudando a cultura em profundidade e não apenas as estruturas de poder. Esperança para o Brasil: um comportamento político quotidiano rompendo com as elites atrasadas e com as práticas corruptas predominantes (o “modo petista de governar”).

Esperança que descarrilou nos trilhos tortuosos e escorregadios da combinação do personalismo pragmático das principais lideranças (que rifaram o ideal de partido de esquerda de massas e democrático) com métodos tradicionais de viabilização da governabilidade (que diabo de contra-hegemonia de ideias foi essa?).

Esperança mastigada e engolida pela hegemonia neoliberal dos anos 1990-2000 e pela dissolução dos ideais partidários ao longo de um quarto de século de governos “democráticos e populares” (em todos os níveis da federação); governos muitas vezes de outros partidos, de fato, somente sob a liderança de quadros originados no PT e de figuras que a ele aderiram de última hora (quando o partido nanico se tornou um gigante e desajeitado polvo).

O PT deixou um legado à sociedade brasileira, como a História certamente registrará, como fez, por exemplo, com Getúlio Vargas: baixada a poeira, diminuídos os ruídos da construção e da demolição, erguidos pelos interesses e alianças imediatos, é sempre possível perceber os novos edifícios resultantes, assim como o desmoronamento de outros.

Mas o PT, enquanto espaço para a disputa do poder, é, hoje, escombros e nada mais. Quem recolherá esse entulho é uma incógnita. Não são apenas os ratos que estão abandonando o navio errante, com velas danificadas, da estrela vermelha, esmaecida e sem brilho, por força dos ataques cerrados dos inimigos e também por fraqueza dos tripulantes e embarcados: gente de tino político e compromisso com as mudanças ainda necessárias no país está migrando para outros espaços de luta política. Com as dificuldades inerentes de uma conjuntura em que as alternativas não são muitas, nem promissoras.

O apagamento de uma estrela faz a noite mais escura; e os navegantes, confusos. Sabem disso os que se habituaram a olhar para o céu e decifrar constelações, ao invés de se limitarem a apurar os olhos e o faro para a comida do dia, garras afiadas.


Valdemir Pires é cconomista, professor e pesquisador do Departamento de Administração Pública da Faculdade de Ciências e Letras da Unesp em Araraquara.


Este artigo foi publicado originalmente no Estadão Noite de 30 de setembro de 2015.

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