O futuro esboçado pelas cidades chinesas
- Valdemir Pires
- há 4 dias
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O futuro esboçado pelas cidades chinesas parece (e provavelmente tem) uma componente popular que o contrasta fortemente com aquele que se verifica na Península Arábica. Ao circular pelas metrópoles da China, vindo de um périplo pelas metrópoles árabes, o primeiro impacto sentido pelo viajante é o ambiental (água/rios/vegetação abundante/clima seco versus areia/dunas/vegetação escassa/clima úmido), seguido do humano (não só em termos de natureza étnica, mas também comportamental, a começar pelo vestuário, especialmente o feminino, no tocante à exposição do corpo) – que em muito influencia os estilos de vida.
Mas um terceiro impacto diz mais a respeito do diferencial chinês: o povo, na acepção mais comum da palavra, parece o “dono da rua”, ou seja, há um espaço público que aparentemente tem como destinatário o cidadão comum, no seu dia a dia, seja para a locomoção, para a alimentação, para as compras quotidianas, para o lazer/entretenimento. Além do sistema de transporte coletivo, circulam pelas ruas e avenidas – e também nas calçadas, junto com os pedestres – as onipresentes bicicletas e motocicletas (algumas adaptadas como pequenos utilitários). Os parques públicos em que pessoas de todas as idades, gratuitamente, praticam exercícios, cantam e dançam, caminham apreciando o entorno (paisagístico ou urbanístico), não raro comendo e bebendo, são numerosos e bem cuidados. E os transeuntes não parecem se incomodar, como se incomoda um viajante ocidental, com as também onipresentes câmeras de vigilância e com os atentos agentes de segurança pública, a pé ou motorizados.
O “clima econômico” é o de mercado funcionando a todo vapor, agradando uma classe média numerosa e ascendente, satisfeita, convivendo com não poucos pobres, porém sem fricções notórias, como a criminalidade escancarada ou mesmo aberta. Pobres, aliás, objeto de políticas públicas consideráveis. Não é nada diferente do que normalmente se verifica em fases de boom de economias mercantis-capitalistas convencionais. O que leva a pensar sobre a sustentabilidade do modelo a médio e longo prazos: trata-se de uma sustentabilidade dependente dos ciclos de desenvolvimento capitalista. As perguntas fundamentais ao caso são as seguintes. Quanto há de “pedalada” financeira impulsionando o sistema? Em que medida o crescimento depende de comércio exterior (capacidade de exportação versus dependência de importações). Quanto a esta questão, parece não haver dúvidas de que a China, caso tenha reduzida a sua (atualmente espetacular) participação no comércio mundial, pode se socorrer de um mercado interno imenso, ainda que se reduza o emprego caso as fábricas exportadoras tenham a demanda por seus produtos reduzida.
Dois riscos pairam permanentemente sobre a economia e a sociedade chinesas. O primeiro, interno: será possível manter, indefinidamente, a estabilidade social combinando economia liberal com política centralizada pelo Partido Comunista, com baixo teor democrático? O segundo, externo: a redefinição geopolítica do pós-Guerra Fria e o declínio em curso da hegemonia norte-americana, que coloca a China no radar dos atuais e potenciais conflitos por mercados e por predomínio político-ideológico, lança sombras sobre o trajeto, até agora pacífico e seguro, para a consolidação do novo eixo oriental do poder geoestratégico?
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