Quando eu era professor em uma universidade paulista, havia no departamento em que eu trabalhava um colega que achava que sabia muito a respeito de tudo. Não era possível encontrar assunto sobre o qual ele não se sentia capaz de ensinar, sempre pontificando a respeito de qualquer coisa, num tom de voz absolutamente professoral, autoritário: era o próprio professor de tudo em geral! Infalibilidade papal era pouco, para ele, figura que bem poderia ser folclórica, mas, naquele ambiente, era, de fato, um grande transtorno quotidiano para todos, principalmente porque não conseguia viver sem um ou outro cargo, de onde exercia com excessivo gosto um naquinho de poder.
Não sei o que levou aquele pobre coitado a cair na armadilha da prepotência intelectual. Não se tratava, propriamente, de alguém que muito estudasse, lesse ou, mesmo, pesquisasse – o que, afinal, era obrigação dele, inerente ao cargo de professor do regime de dedicação integral, ministrando na verdade poucas aulas. Talvez tenha sido o fato de ter obtido o título de “doutor”: aquilo deve ter-lhe chamuscado o cérebro e ele achou que a luz resultante, em vez de fogo devastador, era conhecimento iluminador, saber. Talvez fosse, mesmo, pura insegurança, num meio em que a mediocridade dele poderia ser (como era) flagrada.
A figura desagradável daquele indivíduo fora de lugar sempre me vem à memória quando fuço nas redes sociais da internet, mormente quando sou levado a ingressar em grupos de discussão do whatsapp: os comentários são numerosos acerca de qualquer afirmação, notícia, explicação, relato, registro, imagem; e há entre os comentadores uns contumazes profundos conhecedores do universo, da Terra, da História, das ciências e filosofias, das artes – de tudo em geral. E, pior, mais do que como professores, se pronunciam como juízes. Que pobreza! Que tristeza!
Quanto a mim, a cada ano que vivi, depois da juventude, fui aprendendo (menos do que o suficiente, com certeza), a abrandar as minhas verdades e a relativizar minhas convicções, sem nunca abandonar o desejo genuíno, pessoal e intransferível, de saber e acreditar – sal e açúcar da vida da alma. Exceto quando sou chamado a explicar e opinar, ou quando sinto um impulso colaborativo para isso, hoje prefiro calar; em muitas situações, prefiro ouvir e rir (às vezes para não chorar).
Faz tempo, já, que saboreio uma fala de Chicó, do Auto da compadecida, grande legado de Ariano Suassuna: “Não sei. Só sei que é assim.” A tentação de dar esta resposta a todos que atazanam com suas explicações quadradinhas ou redondinhas – simplificações de quem geralmente não captou a complexidade do objeto com que está lidando – é forte.
Tudo passa, tudo muda, o tempo todo, em todo lugar. E isso aconteceu também com meu bordão para os professores de tudo em geral com que me deparo por aí, na vida real e também na virtual (nesta principalmente). Agora estou decidido a olhar para eles (se o encontro for no ambiente tridimensional com carne e osso), depois de suas “aulas” e – traindo meu querido Suassuna – dizer não o que dizia Chicó, mas o que repetia Mattia Pascal, “encolhendo os ombros”, quando, lhe pediam opinião ou conselho:
– Eu me chamo Mattia Pascal. (Como quem diz: não me peça o que me exija saber mais do que isso.)
Como o personagem de Pirandello, em O falecido Mattia Pascal, ando achando que saber, com certeza, meu nome, já é muito. Quem afirma saber tão pouco, tem menos certeza ainda que Chicó, porque, afinal, nem se aventura a saber “que é assim”, quanto mais o porquê de assim ser.
Mas Chicó era esperto demais da conta. Sabendo nada saber, sabia, compensatoriamente, se livrar com maestria das enrascadas em que sua ignorância, combinada com sua língua comprida e solta, dentro da boca grande sempre aberta para falar sem pensar, o metiam. Nele havia graça, ao contrário da desgraça dessa multidão de ignorantes metidos a caga-regras que tomou conta do mundo com o advento da internet e das redes sociais. Dizer que são de esquerda ou de direita, quando o assunto é político ou ideológico, é um abuso desrespeitoso aos girondinos e jacobinos.
Mas este é só um desabafo... Nem me levem a sério: tudo o que eu posso dizer com certeza é o meu nome completo e que ele me pertence, assim como eu a ele (embora eu tenha descoberto mais de um homônimo). E não me perguntem por que me tornei assim. Eu não sei. Só sei que acabei ficando assim.
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