Cidades visíveis - Zhuhai
- Valdemir Pires
- 24 de mai.
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De Riade a Zhuhai, passo do modo árabe ao modo chinês de vida. Mais de dezesseis horas de voo, primeiro num A320, depois num Boeing 787 e finalmente num Boeing 737; partindo do Aeroporto Khing Khalid, na capital da Arábia Saudita e chegando no Aeroporto Internacional de Hong Kong, com escalas de uma hora no Aeroporto Internacional Zayed (Abu Dabi) e de duas horas no Aeroporto de Kuala Lumpur (outra cidade visível a visitar no futuro); trajeto iniciado no fim da tarde de 19 de maio de 2025 e concluído no dia 20 de maio, às 14 horas, sem incidentes nem transtornos.

(Aeroportos, não-lugares, como diz Marc Augé (1935-2023) em seu livro de 1992 com este título: ao servirem como ponto de transição de um lugar a outro, são meras “pontes”, onde não se para por tempo suficiente para travar relações (a não ser rápidas e funcionais à viagem), onde a “paisagem” humana (constituída por anônimos) é transitória, onde não se constroem histórias e não se enraízam culturas. Mas também eles, agora, entram no turbilhão de experimentos arquitetônicos, alguns de forma tão ousada, que se tornam ícones de alguns lugares, o de Abu Dabu um deles.)

De Hong Kong a Zhuhai se vai rapidamente de carro, pela ponte Hong Kong-Zhuhai-Macau, monumental obra de engenharia com 55 km de extensão (maior do mundo sobre água, concluída em 2018).

Escolhi começar a peregrinação chinesa por Zhuhai por dois motivos. Primeiro porque Zhuhai é uma área, constituída por 146 ilhas, que passa por um surto de desenvolvimento iniciado há uma década (2014-2024); segundo, porque, tendo estado em Hong Kong e em Macau em 1998 (ver Quando eu fui a Macau), poderei perceber a natureza e a profundidade das admiráveis mudanças ali ocorridas no curto intervalo de um quarto de século. Ademais, não é injusto dizer que a explosão desenvolvimentista da China no início do século XXI teve como inspiração o caso de Hong Kong, um dos Tigres Asiáticos (conjunto de experiências de sucesso econômico que chamou a atenção do mundo no final do século XX, incluindo, além de Hong Kong, Singapura, Coreia do Sul e Taiwan).

Talvez a decisão do governo chinês de alavancar o desenvolvimento de Zhuhai, vizinha muito próxima de Hong Kong, se deva a uma estratégia que visa transformar a região toda (Hong Kong-Macau-Zhuhai) num polo integrado e avançado do chamado socialismo de mercado chinês. Sem ter estudado ou refletido sobre o assunto, é o que me parece logo ao chegar em Zhuhai. Ali é tudo muito novo e, observando-se o movimento, ainda não totalmente ocupado. Passando por uma área de preservação arquitetônica, dou-me conta de que um rápido passeio que fiz nas proximidades de Macau em 1998 foi exatamente em Zhuhai, de que não me lembrava: a cidade é totalmente irreconhecível para um turista que a tenha visto no final do século XX. A população que, em 1980, girava em torno de 800 mil pessoas, hoje chega a quase dois milhões e meio.

Não somente a novidade atrai visitantes a Zhuhai. Ela é uma cidade que combina atrativos naturais (ilhas, praias e montanhas) com atrativos arquitetônicos e culturais (edifícios ousados, teatros, museus, monumentos, eventos etc.). O planejamento pelo qual foi concebida parece ter se concentrado exatamente em produzir encantamento, a partir da combinação de elementos (naturais e urbanístico-arquitetônicos) e vistas. Nota-se no comportamento e no semblante de muitas das pessoas pela cidade que estão desfrutando de uma sensação agradável, que estão usufruindo um momento. E isso se acrescenta, como atrativo, às belezas do ambiente natural e construído. Não à toa, Zhuhai é apelidada de Cidade Romance e é considerada a Riviera chinesa.
(Um brasileiro, em uma praia de Zhuhai, sentirá um estranhamento ao ver homens, mulheres e crianças brincando na areia e na borda da água trajados como se estivessem em área urbana: calças, camisas (muitas de mangas compridas), vestidos, saias, tênis, sapatos ou sandálias – nada de sungas, maiôs ou biquinis.)

O primeiro impacto causado por Zhuhai a quem ali chega pela primeira vez é semelhante ao provocado pelas Cidades Visíveis da Península Arábica: é de natureza arquitetônica. Numerosos edifícios de linhas ousadas, envidraçados, coloridamente iluminados à noite; muitas escadas rolantes, canteiros de flores e árvores bem cuidadas, extrema limpeza nos locais públicos. Aos poucos vai se percebendo uma intencionalidade turística e cultural, fruto de planejamento: hotéis, conveniências comerciais e de serviços, funcionalidades para entretenimento, parques, jardins, passarelas e plataformas propiciadoras de belas vistas, cinemas, museus, cafés, centros culturais. Quando se pensa em modos de vida, vê-se que Zhuhai é uma vitrine do modo de vida propiciado pela economia de mercado socialista, modelo de desenvolvimento chinês talvez um pouco diferente, na prática, de como foi concebido por Deng Xiaoping (1904-1997) quando deu início à abertura e à reforma da economia chinesa.

Outro impacto, não menos poderoso, é que, vindo de regiões desérticas, o turista muda completamente de ambiente ao chegar no Sul da China: “cai” entre montanhas, muita água e vegetação. Em Zhuhai, concreto armado, aço e vidro harmonizam com uma natureza exuberante e convidativa, enquanto na Península Arábica esses elementos construtivos predominantes enfrentam a ostensiva aridez do deserto, sendo necessário até mesmo dessalinizar água do mar para a manutenção da vida.

Assim como nas cidades visíveis árabes de construção recente, as novas cidades futuristas da China não descuidam de seu passado, a jugar pelo exemplo de Zhuhai: áreas e edifícios antigos foram preservados e restaurados, servindo agora como lugares de lazer, entretenimento e cultura. Constituem-se em elemento de um conjunto maior, de afirmação cultural de vocação global, do qual constam, por exemplo, um grande teatro de padrão internacional e centros de arte instalados em prédios que são eles próprios manifestação artística de vanguarda.

Enquanto as cidades visíveis árabes se esforçam por atrair turistas internacionais, Zhuhai, apesar de não abandonar este mesmo esforço, atrai com facilidade os próprios chineses de outras regiões (que são parte da classe média emergente das últimas décadas). E os chineses são muitos, enquanto os árabes não são tantos, e suas cidades futuristas carecem de residentes que são expatriados de vindos de outros países, sem perspectivas de ascensão social significativa.

A exuberância urbano-arquitetônica de Zhuhai não atinge o nível de pura ostentação, como, por exemplo, em Doha e Dubai. Ao contrário do que acontece nas joias urbanas futuristas árabes, em Zhuhai é visível a presença de populares locais em todo lugar, desde as praias até os cafés e shoppings, passando pelos espaços culturais e vias públicas; poucos são os estrangeiros. É como se Dubai carecesse de verdadeiros exageros para atrair a atenção do mundo, enquanto para Zhuhai bastasse capricho inovador para ser desejada pelos próprios chineses.

Se há elementos que fazem de Zhuhai (e talvez de todas as cidades visíveis chinesas por conhecer) e de Doha e Dubai (assim como das outras cidades visíveis árabes visitadas) fenômenos urbanos e socioeconômicos semelhantes é que todas elas são loci por excelência de consumo e espetáculo, façam elas parte de um sistema mercantil capitalista ortodoxo ou de um pretenso mercado de tipo socialista. Saltando do econômico para o político, mantém-se uma semelhança: a do controle – câmeras de segurança são onipresentes nas cidades futuristas, assim como paira no ar uma sensação de vigilância permanente. Nesse último aspecto, China e Arábia são diferentes da Europa e da América, embora o quesito vigilância-controle tenda a se igualar rumo ao porvir, a não ser que a isso se resista no Ocidente.

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