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  • Foto do escritorValdemir Pires

A casa dos Budas ditosos



Sobre A casa dos Budas ditosos, de João Ubaldo RIBEIRO (Rio de Janeiro: Objetiva, 1999, 163 p.)

           

Não há casa alguma, nem Buda nenhum em A casa dos Budas ditosos, do hilariamente filosófico João Ubaldo Ribeiro. O livro trata de luxúria, de pesada luxúria: tudo são alcovas e nada de negação do desejo para atingir o Nirvana. Luxúria pesada tornada leve de um modo literário digno de admiração e aplausos. Nunca foi fácil na literatura lidar com sexo sem perder a mão (que maneja a pena) ou a reputação (que depende dos olhos alheios que se lançarão sobre as páginas escritas).  Nesta obra, João Ubaldo se revela uma verdadeira Anaïs Nin de bigode e calças, absolutamente consciente de que “é mais fácil dizer palavrão do que escrever palavrão, há exigência de passaporte para as palavras passarem do falado ao escrito, algumas não conseguem nunca, a humanidade é muito estranha.” (p. 21)


Uma espécie de Kama Sutra tupiniquim, A casa dos Budas ditosos, é uma flecha certeira contra a hipocrisia que cerca a sexualidade. Mais do que um panfleto contra a repressão sexual de todos os matizes, principalmente religiosos, é um manifesto à liberdade sexual e contra os preconceitos relacionados a diferentes opções e até taras sexuais. Difícil encontrar algo tão potente com esta finalidade, tão artisticamente elaborado.


Quem não está preparado para jargões e cenas eróticas beirando ou até chegando ao nível da pornografia (incluindo a incestuosa), que evite este livro. Mas seria bom ir se preparando e chegar a ele, pois é claro que o destinatário de suas páginas é exatamente quem é escravo desta barreira absurdamente limitante. Não se trata de nenhum catecismo, mas o tanto que se fala em Deus é impressionante, em meio ao relato de uma senhora idosa que levou e leva uma vida que todos diriam libertina e condenável. Ela mesma, a personagem-narradora, diz: “Eu já falei muito em Deus aqui, fica difícil dizer que alguém acredita tanto em Deus e fala tanto em sacanagem.” (p. 161) Mas o leitor atento entenderá que não há nisso contradição alguma, muito pelo contrário.


Ao contrário do que se pode imaginar a priori, antes de ler um livro como acima apresentado, não há nele nada de vulgar. Quanto mais se avança na leitura, mais se percebe tratar-se de profunda e necessária reflexão, aliás recorrentemente alicerçada em citações eruditas que, depois de serem incluídas, a narradora logo lança mão do bordão "não quero fazer conferência” para deixá-las de lado, mas sem deixar, claro.


Uma passagem que funciona como bom exemplo da escrita erudito-filosófico-cômica de A casa dos Budas ditosos é esta, saborosíssima. à p. 142: “(...) fico com vontade de ir lá e esculhambar Sócrates, aquele veado sebento – isso era o que ele era, um veado sebento e burro, que não comeu Alcebíades, ora homem, creia, não comer Alcebíades, quem era ele para não comer Alcebíades, quando qualquer um de nós comeria?”


Que ninguém se espante ou se assuste, é nobre a intenção da narradora: “(...) o objetivo que escolhi, depois de muito pensar, foi dar um depoimento pornográfico e provocar e espicaçar e encorajar e reassegurar homens e mulheres enfurnados em suas cascas de caracóis.” (p. 162)


Belo na forma e conteúdo, este livro o é também na apresentação: capa caprichada (como em toda a coleção de que faz parte – Plenos Pecados), capítulos iniciados com páginas negras e ilustrações de Adriana Varejão.



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