No dia 16/03/2023, das 19h às 22h, estive no anfiteatro A da UNESP/FCL-Araraquara, ministrando a palestra Orçamento Municipal: a necessidade da gestão para além do controle externo tradicional, a convite do Departamento de Administração Pública, chefiado pelo Prof. Dr. Antonio Roberto Bono Olenscki, e do Centro Acadêmico de Administração Pública Murilo Rosendo da Silva (CAAP), presidido pelo discente Paulo Marques.
Foi uma palestra de despedida, pois eu rescindi meu contrato de trabalho com a universidade em janeiro, depois de 15 anos ali atuando como professor-doutor em tempo integral, ministrando aulas no diurno e no noturno, liderando o Grupo de Pesquisa sobre Controle Social do Gasto Público e participando ativamente da gestão universitária, tanto assumindo cargos como os de chefia do departamento e de coordenação do curso, como atuando em conselhos e grupos de trabalho.
Era para ser só isso: uma oportunidade para que eu fizesse uma espécie de prestação de contas do ponto a que chegara o meu último projeto de pesquisa (triênio 2019-2021), interrompido para que eu assumisse (2019-2020) a Diretoria Acadêmico-Científica da Escola de Governo do Município de Araraquara (cedido pela universidade). Achei que seria conveniente essa prestação de contas, até para chamar a atenção para uma linha de pesquisa que talvez possa ser continuada por outros.
Viajei de Piracicaba a Araraquara, com excelente expectativa, numa tarde enfim ensolarada (depois de uma sequência de numerosos dias chuvosos ou nublados). Afinal, eu voltaria a encontrar a que seja talvez a maior paixão da minha vida: lecionar; iria rever queridos colegas professores com quem divido sonhos e compartilhei lutas (sindicais, inclusive); iria estar com estudantes que escolheram cursar Administração Pública, ou seja, jovens interessados em se capacitar para contribuir para o avanço do bem-estar social, para a defesa do interesse coletivo, para a lida com coisa pública; e iria tratar de um tema que está no meu DNA: orçamento municipal.
Fiz o check-in no hotel, lá organizei o roteiro da palestra e segui para o campus, para tomar um suco e comer um salgado na cantina, minutos antes do evento (como fazia minutos antes das aulas noturnas). Eu não estivera lá desde abril de 2019, a não ser em janeiro de 2023, apenas para pegar os documentos da rescisão contratual e seguir para Jaboticabal, para fazer o exame médico demissional. Foi tão grande a nostalgia, que senti uma vertigem, passando-me pela cabeça aquele filme que põe em sequência eventos do passado, bons e ruins, não necessariamente concatenados.
Tomado o lanche, dirigi-me ao anfiteatro, no caminho encontrando e conversando com ex-alunos que me deram a honra e a alegria de vir para o evento, a maioria atuantes em prefeituras da região. A boa expectativa que eu portava foi aumentando. E tomei uma decisão: enfatizar aspectos empíricos, não encontráveis em livros, pois isso seria mais útil aos ex-alunos que já estão atuando nos governos locais, sem prejudicar os estudantes; e remeter os interessados em aspectos teóricos aos meus livros, deixando links para baixarem um ou outro:
Entramos no anfiteatro, eu e o chefe do departamento e meu querido amigo ARBO (Antonio Roberto Bono Olenscki), então separando-nos de Paulinho (do CAAP) e de alguns ex-alunos. E foi aquela agitação e aquele sentimento que sempre precede uma palestra - um pouco de nervosismo, um pouco do peso de ter que cumprir um dever, um pouco a alegria prévia da interação mental-espiritual em que consiste a coisa -, enquanto se prepara o material para projeção e se combina o andamento dos trabalhos. Havia no local um número de pessoas que dissipou o fantasma que me haviam dito que poderia estar lá: da baixa presença, explicável pelo fato de se tratar de um período em que as atividades acadêmicas estavam começando a engrenar. E lá se encontravam colegas de sonhos e lutas, partes importantes da minha história: Fernando Ramalho Martins, Alexandre Rossi e Jorge David Barrientos Parra (1/3 do meu Departamento), Sebastião Neto Ribeiro Guedes e Enéas Gonçalves de Carvalho (do Departamento de Economia), Roberto Carlos Miguel (do Departamento de Psicologia da Educação) e Renata Soares Junqueira (do Departamento de Linguística, Literatura e Letras Clássicas); vários ex-alunos(as) queridos(as) (daqueles com os quais o professor termina estabelecendo cumplicidades acadêmicas para além das salas de aulas), cujos nomes não posso citar aqui porque corro o risco de não dar conta de todos (perdoem-me!); e muitos alunos do curso de quem não tive o prazer de ser professor, entre
eles os próprios condutores do evento, diretores do Centro Acadêmico. Aos poucos a sala foi se enchendo.
Fui surpreendido no ato da composição da mesa com a presença do Diretor da Faculdade, Prof. Jean Cristtus Portela, que fez uma fala de abertura e saudação que me comoveu; e temi que me deixasse com dificuldades para falar em seguida; talvez ele não fizesse ideia do que significou, para mim, ter finalizado dizendo algo como: "Esta casa continua sendo sua." A fala seguinte, do Chefe do Departamento, Prof. Olenscki, ampliou meu temor de em seguida ficar com a voz embargada, pois foi um comentário biográfico que me deixou absolutamente emocionado: a gente nunca espera tamanha consideração e apreço.
Não foi fácil controlar a emoção para manter "a cabeça no lugar" e tratar do árido e necessário tema proposto. Eu desejava ser rápido (30-40 minutos), mas não fui tanto... (terminei dizendo que não quis punir - com falatório excessivo - quem estava me acolhendo tão bem). Não sei se consegui deixar a mensagem que tinha em mente: é preciso que nos municípios brasileiros se comece a praticar gestão orçamentária de verdade, não para inglês (tribunal de contas, quero dizer) ver; e para isso é fundamental que se tenha do orçamento público uma compreensão para além daquela do direito financeiro, que se tenha uma compreensão focada na lógica econômico-administrativa. É certo que as numerosas questões apresentadas após a fala inicial ajudaram, cada uma a partir de um ângulo diferente, a acrescentar elementos que antes ficaram pouco claros ou levaram a explorar aspectos adicionais - prova tanto do interesse dos participantes, como da qualidade do engajamento daquele público com temas caros da administração pública.
Terminada a palestra, aplausos que não foram de simples praxe - via-se e eu senti. Puxa! E uma surpresa: Lucas de Almeida Pontes, assessor do Departamento e ex-aluno querido, me entregou uma cesta de delícias (vinhos e chocolates - que quem me conhece sabe que aprecio demais), com um delicioso abraço; em seguida subiram ao palco outras pessoas que me deram outros mimos e abraços apertados. Puxa!
E (puxa!, de novo) outra surpresa, a ser por mim lembrada para sempre: um vídeo com estas mensagens:
Eu as ouvi ali, no palco, acompanhado pelos presentes (em absoluto silêncio) que, depois, aplaudiram em pé. Foi um momento incrível; eu não esperava por isso, eu não esperava por tanto, inclusive por achar que não mereço - tamanho reconhecimento acontece na vida de uma pessoa somente porque aqueles que o manifestam assim, tão fortemente, têm a generosidade de desconsiderar as falhas, os erros, as omissões, os titubeios, as fraquezas certamente presentes ao longo de qualquer trajetória pessoal. Por isso, agradeço do fundo do coração este ato de destacar do todo, mais opaco que brilhante, alguns pontos de luz de que posso, enfim, ter um pequeno orgulho, não pela coisa em si, mas pelo olhar que sobre ela lançam generosamente.
Agora eu posso transitar em paz de um tempo a outro da minha vida intelectual - do tempo antigo de professor-pesquisador universitário de Finanças Públicas e Orçamento (trinta e poucos anos) ao tempo novo (recém-iniciado - 2019) de "livre-pensador" e cronista-ensaísta dedicado ao tema tempo, pois entre eles, desde o dia 16 de março de 2023, existe uma ponte, esta, que me foi presenteada por pessoas generosas: uma ponte temporal-afetiva que transforma o que poderia ser um abismo em suave caminho. Ponte de apenas três horas cronológicas, mas que para mim tangenciaram a eternidade do possível dentro de uma existência humana que comunga com outras um sonho e um desejo: o de que o conhecimento sirva sempre para nos levar mais longe, tanto no campo da razão como no campo da emoção.
Muito agradecido!
PS.: No momento dos debates, o Prof. Enéias me fez a seguinte pergunta: "O que leva um sujeito que dedicou a vida toda a temas tão densamente técnicos, como Finanças Públicas e Orçamento, a se interessar pelo tempo?" Eu respondi mal e mal. Continuarei tentando.
Quando perguntaram a Santo Agostinho se ele sabia o que é o tempo, ele respondeu: "Eu sei, mas quando me perguntam não sou capaz de responder." Farei como o grande pensador, sabedor da minha pequenez, e direi ao Prof. Enéias que eu conheço os motivos que me levaram a fazer a transição sobre a qual ele me indaga, mas quando me perguntam a respeito, não sou capaz de responder pronta e perfeitamente. Então, irei respondendo aos poucos, e começo aqui, com a crônica Os meus relógios.
Arquivo do power-point projetado durante a palestra
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