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  • Foto do escritorValdemir Pires

O ofício alheio



Sobre O ofício alheio, de Primo LEVI, trad. de Silvia Massimini Felix (São Paulo: Ed. UNESP, 2016, 125 p.).

 

            Difícil acreditar que o homem que escreveu os ensaios breves e crônicas desta antologia tenha cometido suicídio, pois os textos que ela traz transpiram amor à vida, ao próximo, aos fazeres humanos, aos mistérios do universo, à literatura (seu produzir e seu usufruir). Teria estado ele, ao escrevê-los, fazendo um esforço de autoconvencimento, buscando desviar da vereda triste à sua frente, e que por pouco não o engoliu num campo de concentração nazista? Seja como for, se para ele não funcionaram como alento, certamente devem funcionar para os seus leitores: são textos de uma clareza convidativa, de uma sensibilidade sem qualquer pieguice, com gosto de quero mais. E que vem com dois brindes: o comentário introdutório de Italo Calvino (pesado defensor da leveza) e a nota biográfica de Ernesto Ferrero.

            Passeia-se de um texto ao outro, na sequência ou ao sabor de escolhas aleatórias a partir dos títulos, sempre muito bem encaixados e não raro belos em si mesmos (“Meias de algodão-pólvora”, “´Ler a vida´”, “As palavras fósseis”, “O eclipse dos profetas”). Lê-se uma vez, impossível não ler outra. De vez em quando, diante de situações da vida, acaba vindo à lembrança este ou aquele ensaio que, então, volta-se a ler como fonte de luz. Leve Levi! Leve-me, Levi!

            Alguns dos textos são resenhas ou comentários acerca de obras ou autores da literatura universal (nem sempre elogiosos (como, por exemplo, no caso de “Tartarin de Tarascon”). Em “Aldous Huxley”, Levi confessa gostar das primeiras obras deste autor, e não das demais, revelando o porquê. De Queneau diz admirar o a forma e o estilo, muito distintos do seu. De Rabelais, destaca-se o que Levi (químico) talvez tenha carregado como lição de vida do médico, procurando respeitar em sua literatura: “Em toda sua obra será difícil encontrar uma só página melancólica, e no entanto Rabelais conhece a miséria humana; cala sobre ela porque, bom médico mesmo quando escreve, não a aceita, quer curá-la (...)” (p. 19).

            Falando sobre si, “viaja” em “Minha casa”, na qual morou a vida toda. Em “Voltar à escola” relata sua experiência de sexagenário voltando a estudar um idioma, misturado à juventude. Em “Ex-químico” surpreende mostrando porque não deveria haver surpresa em um químico se tornar escritor, argumentando que esta metamorfose de fato se beneficia de alguns facilitadores. A respeito de sua antiga ocupação, ainda fascinado com ela, escreve também "O sinal do químico" e "A língua dos químicos" I e II - nestes dois, mistura conhecimentos e habilidades, pois fala da química, mas tem em mente o processo de formação das palavras, que lhe parece fascinante; segue nessa lida também em "O inspetor Silhouette", assim como ao escrever sobre grilos e animais inventados.

São esclarecedores e deliciosos os "passeios" em torno do ofício da escrita literária, reveladores de uma personalidade artística singularíssima: "Por que se escreve?", "Da escrita obscura", "Traduzir e ser traduzido", "Escrever um romance", "A um jovem leitor", "O escriba" (sobre a novidade de escrever no computador!).

É impressionante o número de reflexões sobre bichos, a partir de observações atentas à vida, em sua manifestação vigorosa e inventiva: "Romances ditados pelos grilos" e "Inventar um animal" (embora nesses se fale mais da escrita), "O esquilo", "O salto da pulga", "As borboletas", "Pavor de aranhas", "Os besouros".

Ao todo são 51 ensaios/crônicas. Todos com boas ideias.     

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