top of page
  • Foto do escritorValdemir Pires

Mano, a noite está velha



Sobre Mano, a noite está velha, de Wilson BUENO (São Paulo: Ed. Planeta, 2011, 158 p.)

 

            O assassinato de Wilson Bueno, em maio de 2010, é tido como brusca interrupção de um talento que vinha renovando a literatura brasileira. Antes de sua morte, o autor havia entregado ao editor os originais deste excepcional Mano, a noite está velha, obra que não se recomenda aos que temem a narrativa com coragem de abordar a dor de viver, a tristeza das perdas, a erosão dos afetos, o peso da solidão.

            Dialogando com o irmão falecido (“Mano, agora que você não morre mais, entabulo contigo esta conversa no escuro.” – esta, a frase inicial), o narrador revolve as memórias de uma família comum, célula típica da classe média urbana “vencedora” e orgulhosa, mais pela comparação com os piores à sua volta, do que pela real condição financeira; família em que é marcante a presença materna superprotetora, combinada com o comportamento errático do pai batalhador, mas alcoólatra; com dois filhos, distância de três anos entre suas idades.

            A temática aparente, bastante batida e escorregadia, tem tudo para dar origem a um dramalhão intragável. Não em hábeis mãos. A forma encontrada por Wilson Bueno – alguém falando, confessionalmente, ao outro que não ouve, mas que já sabe de quase tudo que será dito – essa forma resultou em trazer à luz conhecidos sentimentos e emoções que afloram das relações familiares sufocantes (embora amorosas), mas de um modo que, apesar de doloroso, não afugenta: pelo contrário, convida, ao revelar o quanto há de tristeza e alegria, de acorrentador e de libertador, no que acontece entre pais e filhos e entre irmãos, enquanto convivem e, especialmente, depois que não mais estão juntos, inclusive por causa da morte.

            A esta temática, aparente, subjaz aquela que de fato move a narrativa: o detestável tempo – “Eu tenho raiva do tempo, Mano, eu tenho muita raiva do tempo que engole cenas e seres e já devora, faminto, até esses papéis onde lembro coisas, intimidades, com o fito de resguardá-las ali onde o Pai dizia que as coisas perenes moravam – os álbuns, as gavetas, as cômodas e os guarda-roupas recendendo a naftalina.” (p. 76)

            Aos sessenta anos, vivendo solitariamente no casarão que sempre pertenceu à família (por um tempo cuidando da mãe em fase terminal de sua doença, com ajuda de uma tia e uma empregada - Alzira), Frederico, o fracassado, com inclinações homossexuais, remói lembranças, evoca imagens, transporta-se para o passado de aventuras e travessuras com o irmão, de trapalhadas do pai, de ciúmes da mãe, de conflitos com vizinhos. E escreve, escreve: “Há o sangue das horas, sim, o sangue exausto das horas. A cada movimento a destilar a ácida saudade que faz correr a esferográfica sobre o papel nessa confissão longa e profana, é como se açulasse as sobras, as sobras de outras sombras que andam teto, cortinas, paredes.” (p. 144)

 

            E é assim: “Ninguém perde nem ganha ninguém, Mano. As pessoas estão aí no mundo...” (p. 127). Veja-se, por exemplo, a Hilda – uma espécie de fiel escudeira de Frederico. “A Hilda. Ah, a Hilda... Coitada da Hilda!” (p. 65), que foi parar em Aquidauana, grande e gorducha, e tão sensível, com um marido miudinho.

 

            Para quem, afinal, é escrito este livro? “Em verdade vos digo, nem mesmo eu que escrevo sei para quem estou escrevendo, Mano.” O leitor que busca na literatura mais que entretenimento, porém, responderá, seguro:

            – Frederico (Wilson Bueno), agradeço: é a mim que se sua pena se dirige, que sua páginas alcançarão. Ainda que eu discorde quando diz: “A poesia, os sabiás e as cigarras bem poderiam não existir no mundo.” (p. 60).

82 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo
bottom of page