Sobre Rüdger Safranski, Heidegger. São Paulo: Geração, 2019.
Martin Heidegger (1889-1976) é um nome rodeado de controvérsias. Um dos maiores filósofos do século XX (Ser e tempo, de 1927, como obra máxima), aderiu ao nazismo e atuou pelo partido de Hitler, provocando perplexidade não só entre seus contemporâneos, como em todos que se acercam de sua filosofia e/ou de sua biografia. Difícil chegar a um consenso entre descartar seu pensamento, pela monstruosidade de sua ação política nos anos 1930, ou dedicar atenção a esse pensamento complexo que carrega a faísca da genialidade.
Esta biografia de Heidegger, tão bem concebida e escrita por Safranski (tradução de 2019, por Lya Luft, Editora Geração), é uma das mais acreditadas que existem; e seu subtítulo ("Um mestre da Alemanha entre o bem e o mal") antecipa a abordagem adotada.
As mais de 500 páginas são transpostas a um tempo com a dificuldade do leitor que se depara com debates filosóficos intrincados e, a outro tempo, com a curiosidade de um aficcionado em romances. Difícil deixar os capítulos esperando. Cada um deles avança com vigor e detalhes, bem documentados, na direção de se elucidar o enigma Heidegger (o que, ao fim e ao cabo, se revela impossível).
Se esta biografia não é conclusiva em seu "julgamento" do ex-nazista que impactou profundamente o pensamento no século passado, com reflexos no atual, deixando em aberto se sua filosofia enamorou-se ou não do nacional-socialismo alemão (ou se foi apenas sua pessoa, eufórica com enganos, que o fez), nem por isso perde seu valor (até porque não teve essa intenção "judiciária"). Ao rastrear acontecimentos da vida do filósofo, ao buscar elementos esclarecedores em seus relacionamentos (com seus inspiradores iniciais - como Husserl, com amigos - como Jaspers, e inclusive com as amantes - como a notável Hanna Arendt e Elisabeth Blockmann, com seus discípulos e, ao final, com Sartre), ao localizar as polêmicas intelectuais de seu tempo catastrófico e revelar a forma como Heidegger nelas interveio, e, finalmente, ao cotejar seus escritos com os de outros pensadores contempoâneos a ele, Safranski oferece ao leitor um apoio de inestimável valor para quem pretende ler o que escreveu, tão complicadamente, o alemão de incandescente e inquieta alma, que de teólogo foi a filósofo, de filósofo a pensador, de pensador a polemista a respeito de tempos que ainda transcorrem, engolindo entes humanos feito buraco negro, antes que se deparem com o próprio ser-aí, ou antes mesmo de se darem conta de si, num mundo que os objetifica e confisca.
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