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  • Foto do escritorValdemir Pires

Eu, a puta de Rembrandt



Sobre Eu, a puta de Rembrandt, de Sylvie MATTON, trad. de Marisa Motta (Rio de Janeiro: José Olympio, 2005, 222 p.).

 

            É sempre um risco escrever um romance com base em fatos ou vidas reais. A tendência é a coisa ficar a meio caminho, entre história/biografia e imaginação/romance, um pouco de cada, sem a profundidade que cabe a cada um. Termina mal contada a história, mal ajambrada a fabulação. A puta de Rembrandt não foge à regra. Mas vale a leitura, pois permite uma aproximação à lenda que é o pintor, na História da Arte.


            O romance é escrito por uma mulher (Sylvie Matton) que se comoveu com o olhar de outra mulher (Hendrickje Stoffels) várias vezes retratada pelo pintor holandês Rembrandt Harmenszoon van Rijn (1606-1669). A técnica utilizada é a da narração em primeira pessoa, tangenciando o fluxo de consciência, o que funciona bem, tanto para narrar misturando fatos e imaginação, como para assegurar uma corrente narrativa capaz de prender o leitor em busca de saber o que acontecerá a seguir, mesmo se já conhece a história real.





            Hendrickje entrou na casa de Rembrandt como criada, aos vinte anos; tornou-se sua amante e esposa, com ele tendo uma filha (Cornelia), criada junto com Titus, seu filho com a esposa anterior (Saskia van Uylenburg), então falecida. Nunca se casaram, daí ser ela chamada de “a puta de Rembrandt”, com ódio, pelos habitantes de Amsterdam, que passaram a hostilizá-lo, dificultando a venda de suas obras e rebaixando seus preços.


            As dificuldades financeiras da família, as crises políticas do país (guerras com outras nações, lutas internas pelo poder), os incêndios e enchentes na capital, as traições de supostos amigos, a eclosão de surtos de peste bubônica (que levaram Hendrickje à morte agonizante) comparecem no romance, a heroína sempre rezando (apesar de banida pelos protestantes locais), com medo, ciosa do paraíso que considerava sua vida com Rembrandt, a quem devotava profundo amor, extensivo à filha de ambos e ao jovem Titus. Trata-se, de fato, de uma história em que os sentimentos nobres (amor, amizade, solidariedade) se contrapõem com vantagem às vicissitudes da vida, os revezes e dores insistindo em perseguir o grande pintor que, apesar disso, jamais abandonou sua arte, que veio a se tornar um capítulo da história universal da pintura.


            A julgar por este romance, Rembrandt foi um verdadeiro Jó na Bíblia da Arte: dele tudo foi sendo tirado impiedosamente (inclusive seu amado filho Titus, no final), e ele, perseverante e paciente, jamais cedeu à tentação de, por esta razão, abandonar seu deus das cores, da luz e da sombra, manifestas através de pincéis insuperáveis. Para nosso bem, como confirmam os museus que até hoje abrigam suas obras.

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