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Foto do escritorValdemir Pires

Em busca do tempo nunca encontrado



Marcel Proust (1871-1922) dedicou sua vida à busca do tempo perdido, assim entendendo-o:

 

“O tempo perdido não é apenas o tempo que não aproveitamos, mas também o tempo que passamos a recordar. A memória é traiçoeira moldando e distorcendo as nossas experiências para se encaixarem nas narrativas que criamos para nós mesmos. E, no entanto, é essa mesma memória que nos dá a ilusão de continuidade, de permanência, em um mundo que está em constante mudança. Mas há uma tristeza profunda em perceber que enquanto relembramos, o tempo continua a passar, e cada momento é outro que perdemos, que se torna parte de um passado inalcançável.”

 

O autor das 2.500 páginas dos 7 volumes da monumental obra literária conhecida como Em busca do tempo perdido assimila e desdobra (artisticamente) o conceito de duração (la durée) desenvolvido pelo filósofo francês Henri Bergson (1859-1941), conceito este que situa o tempo na mente (ou alma) humana, como condição para a percepção/construção individual do ser consciente imerso no mundo, tanto físico como social/cultural, plural e multifacetado.

 

Bergson e Proust lidam com a duração (o surgimento e a permanência) e o movimento (a mudança e a finitude/desaparecimento) como questões de vida/morte, ou seja, como aspectos da humanidade/condição humana, mais do que como condições ou estados do universo. Assim, o tempo a que se referem não é o da cosmologia, o tempo relativo da física de Albert Einstein (1879-1955). O objeto com que lidam a filosofia/arte de Bergson/Proust não é o mesmo de que tratam, enquanto cientistas, Einsten e os físicos do século XX, aí incluídos os da mecânica quântica, como, por exemplo Stephen Hawking (1942-2018).

 

Um tempo cuja noção/conceituação compatibilize o entendimento cosmológico (referente ao universo) com o entendimento bio-psicológico-social/político (referente ao indivíduo humano em sociedade) é algo que as Ciências Humanas ainda não encontraram, da mesma forma que as Ciências da Natureza não foram capazes, ainda, de obter uma teoria que unifique a física relativística (realidade macroscópica) com a física quântica (realidade microscópica). O que traz à cena um tempo nunca encontrado, e, portanto, a ser procurado sem que jamais tenha sido perdido.

 

A “lanterna” com que Bergson/Proust foram ao encalço do tempo (perdido) é intangível, na sua condição metafísica, puramente especulativa; a “lanterna” mais sofisticada dos físicos, por seu turno, para desvendar a natureza do tempo, é científico-tecnológica, sua mais recente e sofisticada versão sendo o telescópio espacial James Web (JWST). Cada um desses instrumentos utilizados para iluminar o caminho a percorrer em busca do tempo nunca encontrado tem seus pontos fortes e seus pontos fracos, a depender do terreno que se escolhe para a investigação: o homem em sociedade ou a Terra na “comunidade” galáctica.

 

Ao contrário do que afirmaram, um dia (cada qual no seu tempo), Einstein e Hawking, sustentando o ponto de vista do método científico (“objetivo”), contra o procedimento filosófico (lógico-argumentativo, metafísico e, portanto, não-objetivo – jamais puramente subjetivo), o que se entende, historicamente, como tempo, não é algo que padeça de existência/realidade. É, sim, algo que aí está, no mundo de todos e de cada um dos seres humanos: mesmo nunca tendo sido encontrado, é sentido/vivido como perdido quando não aproveitado (numa acepção antiga como a estoica ou moderna como a hedonista) ou quando impossível de ser alcançado na memória (falha) tal como exatamente transcorreu (no entendimento proustiano), a fim de ser revivido (reencontrado).

 

É este enigmático tempo simultâneo ao universo galáctico e à mente/alma humana, jamais encontrado (e portanto, impossível que tenha sido perdido), que segue carecendo de uma busca. Busca a ser empreendida com a ajuda de três lanternas, no mínimo: ciência/tecnologia, filosofia/reflexão, arte/sentimento. Qualquer outro tempo que possa ser encontrado não é o tempo que diz respeito essencialmente/ontologicamente ao Homem, a este ser de origem e destino misteriosos, que povoa a Terra, este recente planeta, quantitativamente insignificante na imensidão universal.

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