Sobre Oliveira, Fabrício Augusto de. Economia e política das finanças públicas no Brasil. São Paulo: Ed. Hucitec, 20092]
Fabrício Augusto de Oliveira é um conhecido e prolífico pesquisador brasileiro da área de Finanças Públicas. Seus numerosos artigos e livros sobre a tributação no Brasil em geral carregam a marca de um pesquisador sempre atento aos aspectos históricos dos fenômenos econômicos. Desde A reforma tributária de 1966 e a acumulação de capital no Brasil (São Paulo: Brasil Debates, 1981) até Crise, reforma e desordem do sistema tributário nacional (Campinas: Ed. da UNICAMP, 1995), passando por Autoritarismo e crise fiscal no Brasil - 1964-1984 (São Paulo: Ed. Hucitec, 1995) vem refletindo com aguda percepção sobre os problemas e dilemas da tributação no país. Em seu novo livro pela Hucitec, lançado no final de 2009, com o título Economia e política das finanças públicas no Brasil, se propõe a discutir os assuntos orçamentários (receita e despesa) e fiscais (orçamento, déficit e dívida pública) numa perspectiva pouco encontradiça. Primeiro, porque o faz levando em conta o debate que se trava no interior do pensamento econômico a respeito do papel do Estado, quando tradicionalmente os livros-texto da área se limitam a, partindo de uma determinada vertente desse pensamento, apresentar receitas e fórmulas para a política fiscal eficiente. Segundo, porque discute os conceitos e teorias sempre com um olho voltado para a realidade brasileira, com riqueza de informações e dados. O resultado é bastante satisfatório.
Seis longos e densos capítulos compõe o livro, cobrindo as blocos temáticos básicos das finanças públicas (orçamento, despesas, receitas, déficit e dívida) e discutindo, como ponto de partida, o papel do Estado na economia. Os capítulos que discutem a ação financeira governamental, por meio das políticas fiscal e tributária, são beneficiados pela discussão precedente sobre as diferentes vertentes da economia do setor público. Discussão levada a efeito a partir de um recorte histórico (típico do autor, como já se disse), em que as diferentes fases do capitalismo, desde o Mercantilismo até o atual estágio global e altamente financeirizado, são apresentadas como pano de fundo das teorias sobre Estado e finanças públicas, desde o lassez-faire dos economistas clássicos do final do século XVIII até os neoliberais de hoje em dia, contrapostos aos keynesisanos intervencionistas predominantes desde o segundo pós-guerra.
Os capítulos “operacionais” e “normativos” são todos reflexivos, continuando o debate do capítulo histórico e teórico introdutório, mas não deixam de cumprir seu papel propedêutico, nem de cuidar adequadamente de aspectos técnicos, como convém a um livro-texto (mesmo heterodoxo como este): o leitor é levado a conhecer as classificações da receita e da despesa públicas (tal como estabelecida pela legislação brasileira), o sistema e o processo orçamentário, os impostos e a evolução da carga tributária. As polêmicas sobre as causas e conseqüências do déficit e da dívida públicos são pontuadas nos capítulos finais, nos quais o autor apresenta o desfecho de suas críticas aos formuladores de políticas econômicas tomados pelo “pensamento único” do neoliberalismo, outra vez com riqueza de dados e um posicionamento muito claro, de que em finanças públicas as teorias facilmente descambam para o que se poderia chamar um “véu fiscal”, parafraseando Karl Marx quando se referia ao “véu monetário”, ambos a esconder a luta de classes por trás, um, do dinheiro, outro, da tributação e do gasto governamental.
Marx, o bom (bom?) e velho (velho?) Marx! Aí é que está: bom e atualíssimo, para Fabrício. Oportuno como O´Connor (o americano que, em USA: A crise do Estado capitalista, “flagrou” a finança pública como instrumento facilitador da reprodução da força de trabalho, denunciando sua falsa natureza de promotora do bem-estar geral), ao fornecer argumentos para explicar as crises fiscais, situando-as no âmbito de uma teoria da crise inevitável do capitalismo, devido às suas contradições internas. Crises que, aliás, o keynesianismo tenta contornar com os malabarismos de manejo exatamente dos déficits e da dívida públicos, configurando, assim uma teoria sobre o papel do Estado que não é nem marxista, nem clássica: um ponto entre os extremos. Ponto esse que é o escolhido por Fabrício para “estacionar”, enquanto espreita as tendências que empurram as finanças públicas de fundo keynesiano para sua derrocada, cantada em prosa e verso pelos neoliberais dos anos 1980-90, por ora quase emudecidos diante dos socorros pedidos ao bom e velho Estado para sanar os efeitos deletérios da recente crise financeira mundial.
Entre Marx e Keynes e metendo os liberais e neoliberais sob fogo cruzado, lutando contra o pensamento único em finanças públicas, esse o movimento de Fabrício Augusto de Oliveira neste Economia e política das finanças públicas no Brasil, que pode ser um excelente contraponto aos manuais tradicionais da área, no ensino de Finanças Públicas e Economia do Setor Público ou, até mesmo ser o manual, tomando os tradicionais como contraponto, dependendo da postura frente à história do pensamento econômico de quem esteja ensinando. Por isso, o livro é muito bem vindo, e também porque nas últimas três décadas pouco tem sido publicado sobre finanças públicas no Brasil, principalmente de autores brasileiros. O desprestígio da atuação estatal e o desencanto sobre suas possibilidades, num contexto de globalização desnacionalizante e crise do desenvolvimentismo por substituição de importações, surtiu, no Brasil, efeitos dramaticamente negativos sobre a produção científica e acadêmica que discute o setor público na economia. Oxalá os tempos estejam mudando e tragam consigo mais do que este livro. Afinal, a diversidade da floresta é bem mais interessante e confortável do que a aridez do deserto, tanto para o corpo como para a mente.
Não convém aos alunos de Economia (ou outras áreas que incluam finanças públicas), nem aos policy-makers, e muito menos aos cidadãoes-eleitores-contribuintes, que as políticas tributária e fiscal sejam explicadas, compreendidas, decididas e implementadas tendo por referência uma só vertente teórica - e, ademais, desconsiderando a realidade nacional -, por mais elegantes e matematicamente consistentes que sejam os modelos que qualquer pensamento único possa produzir. Embora isso possa parecer evidente, não é assim, na prática, como sabem todos aqueles que acompanham, por dever de ofício ou curiosidade (acadêmica ou cidadã) o debate e os fazeres das finanças públicas, principalmente as federais, nas quais política fiscal e política monetária se imbricam, com forte efeito sobre as possibilidades de crescimento e estabilização, obrigando o governante a fazer opções, opções essas que podem variar muito, ao sabor de numerosas explicações encontradas no curso caudaloso do pensamento econômico. Se essas opções não são consideradas, o mainstream da ciência econômica pode cometer assassinato contra Política, algo absolutamente indesejável, a não ser que a barbárie seja desejada ou que não seja percebida com iminente caso referido assassinato se materialize. Tomara que isso baste para haver uma boa acolhida do livro aqui resenhado. Por menor que alguém possa considerar a sua contribuição, por mais críticas que possam fazer às suas bases teórico-metodológicas, esse mérito de chamar a atenção para a outra margem ninguém pode lhe tirar. E esse é um mérito respeitável, hoje em dia.
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