Dubai e Xangai: dois paradigmas de modos e estilos de vida
- Valdemir Pires
- 23 de jun.
- 5 min de leitura
Atualizado: 16 de out.
(Conclusões parciais a partir de imagens de Cidades Visíveis)

De alguma forma, "Todas essas belezas o viajante já conhece por tê-las visto em outras cidades."
"Entretanto, construí na minha mente um modelo de cidade do qual extrair todas as cidades possíveis."
"Você, que explora em profundidade e é capaz de interpretar os símbolos, saberia me dizer em direção a qual desses futuros nos levam os ventos propícios?"
O jeito, concreto, de viver de cada um replica ou emula estilos de vida encontrados nas vitrines das “lojas” acessíveis a cada um dos modos de vida típicos (bilionário, rico, médio, pobre e miserável), modos de vida esses possíveis com base num determinado modo de produção conforme seu estágio de evolução em cada tempo e lugar (capitalismo pleno – com diferentes graus de intervenção estatal, capitalismo em evolução – com diferentes graus de intervenção estatal, capitalismo estagnado – com diferentes graus de intervenção estatal, socialismo de mercado – com diferentes níveis de intervenção estatal e de livre mercado.
Os estilos de vida e os decorrentes jeitos de viver não se configuram levando em conta apenas sua possibilidade de sustento material (economia), mas também o jogo do poder praticado em cada sociedade (política, que se desenrola no intervalo entre total ditadura e democracia plena), o tipo de crença/fé/religião prevalecente entre as maiorias e as especifidades geográficas e ambientais.
Em qualquer lugar, dentro do que possibilitam as condições do meio natural, o jeito de viver resulta de uma combinação dos três elementos configuradores dos estilos de vida, a saber: a noção existencial, relacionada à concepção da vida de acordo com uma determinada transcendentalidade ou a partir da rejeição desta, resultando em fé ou falta dela, com ou sem filiação a uma religião; a condição material, que permite sustentar o jeito como se vive, no interior de um modo de vida atado a um modo de produção; a posição política individual, a partir da qual é possível dissuadir o que ameaça a viabilidade do jeito de viver que se escolheu ou persuadir os demais a aceitá-lo, resultando do confronto na sociedade em diferentes graus de liberdade e segurança para todos.
Independentemente da sustentabilidade a longo prazo, que por sua vez depende do sucesso a curto e médio prazos, das experiências vividas pelas cidades visíveis árabes e chinesas até agora consideradas, elas apontam para dois diferentes paradigmas de modos de vida futuros, pois elas estão engendrando esses paradigmas no processo, mesmo, de construção de sua atual visibilidade. Dentre elas, Dubai (na Península Arábica) e Xangai (na China) condensam o que se vê a olho nu no conjunto das regiões que representam. Pode-se dizer que elas configuram distintos modos e estilos de vida. São elas as mais expressivas e representativas vitrines dos modos de vida sob o capitalismo não-europeu/não-estadunidense e sob o chamado socialismo de mercado; modos de vida esses que retraçam (ou, no mínimo, retificam) os caminhos tradicionais do capitalismo convencional – europeu e norte-americano (ou seja, como modelo de desenvolvimento-alvo, tomado como ponto de chegada civilizatório para cada um dos Estados-nação, principalmente se combinado com regimes democráticos).
Tanto na Península Arábica quanto na China verifica-se um surto de urbanização inovadora, em grande medida expressão de forte movimento imobiliário especulativo, de que o capital financeiro necessita para valorizar. Em ambas as regiões o crescimento urbano vertical espetacular (altura, espelhamento e iluminação, tecnologias avançadas etc.), a criação de centros especiais (de negócios, de finanças, de administração, de tecnologia), de grandes zonas residenciais e hotéis luxuosos (vários de cadeias hoteleiras globais) sinergiza com a ampliação das infraestruturas urbanas, mormente as viárias, de transportes (especialmente metrô) e de comunicações/informática. Quanto ao financiamento dos investimentos, também não se verifica diferença significativa, pois depende de uma combinação de fontes governamentais e privadas (locais e estrangeiras), com o detalhe significativo de que o governo nas cidades árabes é monárquico e nas chinesas é socialista (ambos regimes “fortes”).
Tanto em Dubai quanto em Xangai, os diferente e variados estilos de vida na vitrine urbana reluzente (praticados entre bilionários, ricos, classe média, pobres e miseráveis, conforme suas posses) são dependentes de um surto de crescimento/desenvolvimento econômico notavelmente exuberante, que está redefinindo rapidamente, sob o amparo das novas tecnologias do século XXI, tanto a produção/produtividade (inovações), como a distribuição/acessibilidade da riqueza, além de sua circulação (interna/consumo pelos residentes ou externa/exportação para outros países). As condições econômicas favoráveis vividas por Dubai e Xangai (talvez até superestimadas por certo grau de alavancagem financeira e de especulação imobiliária, que representam risco ao modelo), geraram uma nova categoria de super-ricos e ricos, uma classe média muito mais numerosa do que a prevalecente durante os ciclos anteriores de desenvolvimento local, além de um contingente de pobres que, em princípio, estão satisfeitos por deixarem de ser miseráveis graças às oportunidades de trabalho que os beneficiam.
O retrato – ou melhor, o filme – da vida em Dubai e Xangai mostra que na primeira o que move o sistema são os interesses de grupos familiares (dinastias) e seus favoritos e aliados (inclusive estrangeiros, à frente os Estados Unidos), alavancados pelas rendas do petróleo e de negócios ligados a logística, turismo e construção civil, todos os outros agentes econômicos e atores políticos levados de roldão pelo processo, sob as bençãos de Alá (islamismo como religião de Estado); ao passo que na segunda, o planejamento estatal sob regime forte mas não ditatorial, propriamente, e em nada associado a uma fé ou religião, organiza, em parceria com a iniciativa privada (aí incluídos investimentos estrangeiros) o processo produtivo e a distribuição/circulação de mercadorias, focando no desenvolvimento em benefício de uma imensa população que antes vivia, em sua maioria, na miséria ou pobreza, em áreas rurais.
Em Xangai, não falta mão-de-obra nacional, inclusive qualificada, porque escolas e universidades foram providenciadas para qualificá-la. Em Dubai, o que foi e tem sido feito dependeu e depende da atração de mão-de-obra estrangeira, tanto de alta quanto de baixa qualificação.
Xangai mobilizou a força de trabalho chinesa abundante (e antes mal aproveitada) para produzir uma variedade de mercadorias com que hoje abarrota a economia global, sobrando ainda muito para o mercado interno – volta-se para fora e para dentro. Dubai luta para, com força de trabalho importada, construir uma economia que possa substituir a atual, dependente do petróleo, recaindo sobre finanças e turismo de luxo a escolha, motivo pelo qual volta-se necessariamente para fora.
Ambas estas cidades visíveis são paradigmas de dois modelos de desenvolvimento – capitalistas, por natureza, os dois, independente do nome que recebam – que tomam certa distância do capitalismo tipicamente europeu ou estadunidense, em boa medida roubando-lhe oportunidades que, doravante, provocarão uma movimentação renovada no âmbito geoestratégico, capaz de colocar em xeque o que até aqui tem sido a globalização neoliberal.




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