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Cidades visíveis - Dubai

  • Foto do escritor: Valdemir Pires
    Valdemir Pires
  • 24 de abr.
  • 4 min de leitura

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Chegando a Dubai, já tendo circulado pelas capitais dos países árabes (exceto Riad, única quase no coração da península arábica, bastante distante das águas dos golfos Pérsico e de Omã ou do Mar Vermelho), não espero mais nenhum choque de estranhamento ou algum deslumbramento face à arquitetura, ao urbanismo, ao vestuário, à gastronomia, à estrutura e ao funcionamento da cidade, enfim. Tendo partido de Abu Dabi, a menos de 140 km de distância, percorri a via Sheikh Zayed Bin Sultan por duas horas, durante as quais, mirando a vegetação monótona da terra árida, me lembrei várias vezes de um trecho de Calvino em A velha senhora de quimono violeta: “Viajar não serve muito para entender (isso eu sei faz tempo; não precisei chegar ao Extremo Oriente para me convencer), mas serve para reativar momentaneamente o uso dos olhos, a leitura visual do mundo.”

 

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Com efeito! Dubai não é mais do mesmo do Oriente Médio. A começar pelo fato de que sua dependência econômica do petróleo gira em torno de ínfimos 6%, enquanto o setor imobiliário e de construção civil representa um quarto do PIB. O turismo caminha na mesma direção, de robustecimento, sob forte propaganda global. Enquanto os viajantes ricos da Europa e da América do Norte, e também de toda a Ásia, afluem aos milhões, anualmente, a esta cidade-espetáculo, para usufruir suas delícias, para ali também imigram indianos, paquistaneses, iemenitas, etíopes, chineses, filipinos, afegãos etc., sendo seus os músculos que propiciam as condições mediante as quais as tais delícias se tornam possíveis, graça a um nível de exploração extremo.

 

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Acomodo-me em um hotel próximo ao símbolo máximo de Dubai, que é o edifício mais elevado do mundo: o Burj Khalifa. Cedo ao lugar comum turístico e passo antes por ele, desviando-me um pouco do trajeto para meu alojamento. É, de fato, algo de tirar o fôlego. Talvez provoque no visitante a mesma sensação usufruída (ou sofrida) pelos homens comuns que visitaram as maiores pirâmides do Egito: “Como foi possível construir este colosso?” Sendo que o colosso moderno é muito, muitíssimo mais bonito do que o antigo. Este vislumbre foi apenas o primeiro, dando pistas para que eu percebesse que Dubai não é mais do mesmo das grandes cidades árabes: é algo para além, em magnitude e intensidade. Dubai é a face mais proeminente de um futuro contraditório que no resto da Península Arábica se ensaia: um futuro tanto brilhante quanto escuro, fervilhando entre extremos socioeconômicos e culturais.


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(Paulista de Piracicaba, Estado de São Paulo, próxima de Sorocaba e, portanto, de Itu, ri comigo mesmo ao equiparar, secreta e mentalmente, Dubai àquela folclórica pequena localidade brasileira, onde se brinca que tudo é grande, maior do que em qualquer lugar. Também em Dubai é assim, só que de verdade: maior edifício, maior cidade e maior população dos Emirados Árabes Unidos, mais caro aeroporto, maior porto artificial, maior área de terra construída sobre o mar, maior número de carros de luxo nas ruas...)

 

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Estabeleci-me, restaurei-me (comi, banhei-me, tirei um cochilo) e saí para a exploração do dia. Decisão: entrar pela primeira vez numa mesquita (o que eu vinha evitando, sem motivo que seja capaz de identificar com clareza), a Grande Mesquita Sheikh Zayed. Desnecessário falar a respeito da monumentalidade, externa e interna, do edifício religioso. Submeti-me às exigências para ingressar e perambulei no ambiente por algo em torno de uma hora. Apesar da admiração diante da arte nas paredes, no teto, no lustre e no tapete imensos, não logrei acessar aquele sentimento de transcendentalidade de um ocidental dentro da catedral. Ocorreu-me que à ausência de imagens de santos na mesquita (em contraste com o que se dá nas igrejas cristãs) corresponde a afirmação de que Maomé é o único profeta; mas também que cada mesquita é como que propriedade (senão, mesmo, propriedade) de um indivíduo que lhe dá nome. E isso ofuscou, na minha mente ocidental, judaico-cristã, embora não devesse, a capacidade de admirar o que tive diante dos olhos. Em vez de a arte ali presente remeter meu espírito ao transcendental, o fez encalhar na contradição em que racionalmente me detive. Pouco depois, ainda nas proximidades da mesquita, ouvi o muezim, no minarete, chamando os fiéis para sua obrigação quotidiana com sua fé. Observei-os fluindo para lá, em seus trajes apropriados.

 

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Retomando a condição de turista-padrão, no dia seguinte fui observar, meio de longe, Palm Jumeirah, os três arquipélagos artificiais em forma de palmeiras, que dizem poder ser vistos desde a Estação Espacial Internacional, assim como as Muralhas da China (monumento ao poder político-militar), dos poucos competidores em relação a este monumento ao poder econômico-financeiro de Dubai. É claro que fui tomado da mesma admiração que me colheu defronte ao Burj Khalifa: eles são capazes de comprar uma capacidade, em termos de engenharia e urbanismo/arquitetura que os tornam senhores não só do céu, mas também das águas, negando a este e àquelas seu poder de impor limitações às capacidades e habilidades humana! Ou seja, tanto o edifício mais elevado do mundo quanto as maiores ilhas artificiais do mundo são, sim, construções que nos põem diante do sublime: admiração que junta num só sentimento o belo e o terrível:

 

“A mão que toca um violão

Se for preciso faz a guerra

Mata o mundo, fere a terra.”

 

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O restante, em Dubai, por cansaço, mas também por um certo enjôo, foi observar o formigueiro humano indo às compras, esbaldando-se, uns, em luxo e extravagância; praticando, outros, o abastecimento comezinho para as necessidades diárias, alimentando-se. Malls, suqs, bazares, quiosques, restaurantes, bares, cafés em profusão, uns nos moldes típicos árabes, outros, de padrão ocidental, porém maiores (ituana mania dubaiense?).


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