Cidades visíveis: Shenzhen
- Valdemir Pires
- 7 de jun.
- 4 min de leitura


Caminho na China seguindo o rastro do capitalismo ocidental que foi para o abraço com o chamado socialismo de mercado, ou seja, vou do Mar da China Meridional (Hong Kong/Macau) para cima e para o lado em que nasce o sol (direita geográfica e esquerda ideológica). Adentro a China continental começando por Shenzhen, na Província de Guangdong, não por acaso a primeira Zona Econômica Especial (ZEE) definida e decidida por Deng Xioping (1904-1997) em 1980, ponto de partida para a corrida vitoriosa da China para a condição atual de potência econômica global.

Shenzhen, filha da jovem Hong Kong (inglesa) com a velha Pequim, nasceu de parto forçado, apressado, com uma fisionomia mista: olhos amendoados, mas nem tanto; lépida e ansiosa, mas não a extremo; pretensiosa e astuta, tanto quanto ou mais que seus genitores.

Shenzen, dita o Vale do Silício oriental, hoje com 18 milhões de habitantes, partindo da condição de insignificante vila de pescadores com trinta mil almas antes da decisão estratégica de Xiaoping. Seu PIB só é menor que os de Xangai e Pequim. É parte da Área Metropolitana do Delta do Rio das Pérolas (assim como Hong Kong, Macau e Zhuhai, entre outras), a maior área urbana do mundo, com quase 110 milhões de habitantes e um PÌB colossal.


É uma localidade que tem a feição perfeita do capitalismo bem-sucedido em seus melhores momentos: bolsões de pobreza sutilmente (mas nem tanto) acomodados, um nicho de bilionários (5º. maior volume de ricaços do mundo) e, sobretudo, uma classe média numerosa impulsionada pelas oportunidades de negócios e de bons empregos típicas de locais em fase de rápido crescimento econômico, que costumam atrair imigrantes. No quotidiano das ruas, a sensação de que o vento sopra a favor das alegrias, quando não da felicidade, não obstante o preço de jornadas de trabalho extensas e intensas – trabalha-se muito (senão, como produzir tanto?), mas vive-se num mundo iluminado e colorido que suplantou outro, o anterior, de triste memória: suor e lágrimas de pobres pescadores sem melhor futuro à vista, olhando com inveja a vizinha Hong Kong.


O trabalho que ali se realiza não é apenas extenso e intenso; grande parte dele é criativo, inovador, intensivo em educação, cultura e talento, tendo gerado numerosas pequenas empresas de tecnologia, que se juntam proativamente às gigantes tecnológica como as mundialmente famosas BYD, Huawei, Tencent, Foxconn e DJI, por exemplo.


Shenzhen, além de alegre, monumental, é orgulhosa de seus feitos que deixam o Ocidente de queixo caído. Entre as 10 cidades de maior economia do mundo, tem sua própria Bolsa de Valores, levada em conta no circuito financeiro global. Comemora seus feitos vestindo-se de coloridas luzes, para o deleite visual de quem caminha ou senta-se nos espaços públicos admiráveis, à noite, para apreciar o espetáculo gratuito, projetado nos numerosos arranha-céus, muitos com mais de 200 m de altura e um com 600 m.


Das laboriosas mãos de seus moradores saem incontáveis produtos, dos mais variados tipos, partindo para o mundo de um porto moderníssimo, que é o 4º. mais movimentado do mundo. Como conexão com os outros países e continentes, junta-se a este porto um aeroporto internacional que, por sua vez, é, na China, o 5º maior em movimento de passageiros e o quarto maior na movimentação de cargas. Logística, portanto, é uma vertente determinante da dinâmica econômica, juntamente com finanças, alta tecnologia e cultura.




Shenzhen, das universidades, dos centros tecnológicos, dos museus e galerias, Cidade do Livro, mais de 600 bibliotecas e livrarias. Não pára, dia e noite. Por isso tantos cafés? Não, o café, mais complementando que substituindo o onipresente chá, é um revelador da tendência ocidentalizante em curso há décadas, em meio ao avanço da sua condição de metrópole multicultural.

Inquieta, sem nunca parar, soube munir-se de uma rede de vias capaz de dar vazão ao imenso formigueiro humano ali existente, nelas colocando em movimento, além do 7º maior metrô da China (cuja estação central é uma singular obra de arte em aço, vidro e luz), numerosas e eficientes linhas de ônibus urbanos e uma frota colossal de táxis de motor elétrico, da qual uma parte já funciona sem condutor. Não sendo suficiente, ainda, muitos são os carros (maioria elétricos, muitos de luxo), paralelamente a uma descomunal quantia de motos, motonetas e bicicletas que, milagrosamente, trafegam nos mesmos espaços que os pedestres. Onde convém, há bondes elétricos.





Esta cidade de arranha-céus exuberantes, de trânsito intenso de todo tipo de veículos automotores e a pedal, não deixa de cuidar de suas praças e jardins. A arborização e a jardinagem são cuidadosas (árvores amparadas por suportes de ferro padronizados), embelezando os entornos e atraindo as pessoas para agradáveis passeios, principalmente à beira de rios e lagos (que não são poucos na região). Mesmos nesses recantos de lazer e descanso, há uma verdadeira “plantação” de câmaras de vigilância, que espreitam o desenrolar da vida quotidiana, aparentemente sem incomodar as pessoas, assimilados que estão estes equipamentos ao seu jeito de viver e de se relacionar com o poder estatal/policial.



Mesmo passeando, os transeuntes não largam o celular. Com ele tiram fotos o tempo todo, comunicam-se entre si por meio de uma rede social própria da China (onde o chinês TikTok em uso no ocidente é proibido), pagam contas (o que podem fazer também com a palma das mãos, utilizando uma tecnologia local), acessam o metrô e fazem encomendas a serem entregues rapidamente por drones (que são muitos, voando por toda a cidade), além de acionar robôs-garçons nos restaurantes.

Assim como Macau, Shenzhen tem seus simulacros de arquitetura e monumentos ocidentais... Eles se encontram em parques temáticos e até mesmo em áreas urbanas e comerciais. O que leva a isso? Que importância tem esta prática na cultura chinesa? Essas réplicas são um enigma para o viajante que se sente constrangido pelo desperdício do engenho e da da arte que não criam, mas copiam, principalmente quando o fazem sem a menor necessidade, dados os dotes dos artistas que aceitam a própria diminuição e a de sua cultura originária. Será isso manifestação do curvar-se aos imperativos de consumo padronizado e de espetáculo para as massas, que o capitalismo ocidental ora replica na China, como um anestésico para a vida quotidiana, dura e vigiada, das multidões?


À parte toda a tecnologia, toda a mudança cultural e toda a multiculturalidade prenhes de aspectos controversos, em Shenzhen a vida comum permanece: a comilança popular nas ruas, a distribuição prosaica de galões de água potável, o vendedor de garapa!



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