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Cidades visíveis – Chongqing

  • Foto do escritor: Valdemir Pires
    Valdemir Pires
  • 9 de jun.
  • 5 min de leitura
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As primeiras cidades visíveis da China visitadas foram Hong Kong, Macau, Zhuhan e Shenzhen, todas de fácil acesso a partir do Mar da China Meridional; juntas, são uma espécie de portal para o país, especialmente para quem vem do Ocidente por água. Chongqing (ou Xunquim), por sua vez, fica distante da costa marítima. Mas não deixa de ser também uma cidade banhada, já que é cortada por dois grandes rios: o Yangtzé e o Jialing. Por isso e por ser montanhosa, é uma cidade de muitas pontes (mais de 30), com destaque para as Pontes Fluviais Gêmeas e a Ponte Egongyan.

 

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De Shenzhen a Chongqing se vai de trem, o rápido chegando ao destino em menos de sete horas. De carro o trajeto dura por volta de 16 horas. O trem é confortável e relativamente barato, por isso foi escolhido, evitado o avião que não permitiria desfrutar as vistas do caminho.

 

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Chongqing é uma cidade que chega ao viajante informado antes dele chegar a ela. É a maior do mundo, com mais de 32 milhões de habitantes – em princípio, medonha. Recebe a alcunha de cyberpunk city., pela sua característica de lugar de ficção científica, carregada de elementos distópicos. Também é conhecida como “Forno da china” e “Cidade das névoas”, em função de sua condição climática.

 

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Ela faz jus a todos os epítetos que recebe, mas é cheia de surpreendentes encantos. Tem uma longa história, com um passado de glórias e esquecimentos. Recentemente falando, foi capital do país e resistiu à invasão japonesa durante a Segunda Guerra (daí outro epíteto: Cidade dos Heróis). No passado, ficou longe da Rota da Seda, por isso definhando; em 1949, o Partido Comunista decidiu num centro industrial e universitário construído sobre os escombros do pós-guerra. Mais recentemente, beneficiou-se com a construção, nas suas proximidades, da maior usina hidrelétrica do mundo, conhecida devido à Barragem das Três Gargantas, que dizem ter alterado de tal maneira o volume de água na sua área a ponto de influir no giro do planeta.

 

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Pode-se dizer que Chongqing “renasceu” a partir de 1997, quando foi escolhida como local estratégico para o novo modelo de desenvolvimento chinês, adotado no final do século XX: ela é o centro econômico da Bacia do Yangtsé, sendo gerida diretamente pelo governo central, assim como Pequim, Xangai e Tianjin. Com o tamanho da Áustria, sua economia é industrial (dividida entre química e petroquímica, metalurgia, maquinaria, transporte e farmacêutica) e também agrícola, produzindo principalmente cereais, laranja, tabaco e seda. É a terceira maior produtora de veículos do país e a primeira produtora de motocicletas (mais de 8 milhões de unidades anuais).

 

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Não obstante pontos de estrangulamento no trânsito em certos locais e horários, a mobilidade urbana de Chongqing é de boa qualidade, de fato surpreendendo pela eficiência com que propicia o deslocamento, com seu intrincado metrô, seus numerosos ônibus e táxis bem distribuídos e seu monotrilho com mais de 100 km e 70 estações. Este monotrilho, aliás, é um dos responsáveis pela divulgação da cidade, uma vez que viralizou na internet por conta de, num de seus pontos (Liziba), passar por dentro de um prédio de 19 andares.


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A região é amplamente integrada à China toda, por meio de um aeroporto internacional e dois regionais, de rotas fluviais nos dois grandes rios que a cortam e contam com portos (onde navegam inclusive navios de cruzeiro em rotas turísticas), de ferrovias de trens convencionais e de trens rápidos, de rodovias beneficiadas por admiráveis pontes sobre rios e vales.

 

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O perfil urbano e arquitetônico de Chongqing é variado. Contém os elementos futurísticos típicos das novas cidades chinesas (monumentalidade e exuberância dos edifícios modernos, com destaque para o Ruffles City, em que três arranha-céus são encimados por outro, que fica na horizontal, chamado The Crystal) e locais de preservação de sítios urbanos antigos, com o “defeito” de a maioria estar tomada por pequenos estabelecimentos comerciais, num misto de sustentação econômica e preservação do patrimônio em que este é obscurecido, até porque boa parte do que permanece não é preservado, mas reconstruído. Mas nesses locais da memória, o que se vê é a apropriação pela população, que por ali passeia alegremente, misturando-se famílias, jovens casais (com e sem filhos) e casais maduros, duplas femininas e masculinas de mãos dadas ou abraçadas, pequenos grupos conversando ou praticando alguma atividade (ginástica ou dança). À noite, o espetáculo de luzes em que a cidade se transforma potencializa a tomada das ruas pelos pedestres, que circulam aparentemente sem nenhum medo (pois não há violência urbana) até altas horas, com o benefício adicional da extrema limpeza das áreas públicas, que contam também com arborização e jardinagem bem cuidadas. O que era esperado como um cenário distópico se revela, então, senão utópico, bastante acolhedor.

 

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Pelo fato de se localizar entre montanhas e ser obrigada a otimizar o uso do espaço, Chongqing conta com numerosos edifícios em que se observa um fenômeno singular, muito comentado pelos que a visitam: os níveis se confundem. De um mesmo edifício de muitos andares são acessadas diversas ruas ou avenidas, cada uma delas estando a uma altura diferente. Sem mudar de prédio, vê-se, de seu topo, uma rua lá embaixo, a cem metros e, ao sair dele, se está em uma avenida que dá acesso ao térreo.

 

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A Chongqing vibrante, de luzes, cores, comidas (muita, mas muita boa comida de rua, incluindo o famoso hot pot), bares e cafés, atrações e experiências culturais imersivas, de que a juventude se apropria à larga, ofusca mas não anula a Chongqing prosaica, tradicional com suas áreas de vida quotidiana familiar e de trabalho, dotada de escolas para as crianças e jovens, de pequenos comércios para as necessidades diárias, de trânsito tranquilo, de pracinhas acolhedoras. Global e local convivem lado a lado, na cidade multiforme: na Jiefangbei Square, por exemplo, ostensivas lojas grifes globais dividem palmo a palmo o espaço com portinhas de pequenas lojas de mercadorias comuns e feiras de rua, como se ali elite e povo convivessem entre si harmoniosamente, cada grupo satisfeito com o que lhe é oferecido nas vitrines e anunciado superlativamente nos imensos outdoors iluminados das fachadas, que são parte da cansativa poluição visual da megalópole que não gira sobre único eixo – excêntrica.


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Chongqing é um lugar em que se pode espreitar, com prazer e temor, esperança (utopia) e desencanto (distopia), os modos, jeitos e estilos de vida do futuro (já em prática), que intensificam consumo e espetáculo na composição do ser individual e coletivo, o individual perdendo a nitidez de seus contornos, o que obriga cada um a correr em busca de si (do seu eu que justifica a luta pela sobrevivência), mergulhando num experiencialismo urbano marcado por uma dose de insano que, todavia, não merece propriamente este rótulo, por fazer parte de uma loucura geral que a torna “normal”.  


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