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  • Foto do escritorValdemir Pires

Ano Novo



Ano novo. Duas palavras. Um substantivo e um adjetivo. E, acima de tudo, uma ideia com força sem igual. Cria expectativas, mobiliza, empolga, une como nada, no mundo todo, num minuto (de aplausos e de grito coletivo catártico, amplificado pela luz colorida e pelo ruído dos fogos) – minuto de passagem do ano que termina para o que começa – em que a sensação de que tudo o que foi ruim ficou para trás e muito de bom está por vir. Feliz ano novo! – uns desejam aos outros, expressando esperança, otimismo, confiança no futuro. Não à toa, o dia primeiro de janeiro é “oficialmente” o Dia da Confraternização Universal e da Paz. Data para se acalentar o melhor dos mundos, para todos; momento de renovar este sonho jamais realizado, mesmo em tempos remotos, em que “todos” era um número relativamente pequeno, se comparado à atual população mundial; mesmo num passado em que os interesses em conflito não eram tantos nem tão intrincados. Feliz ano novo – voto que sintetiza uma celebração ritual de toda a humanidade em sua forma carnal (finita) de se relacionar com o tempo.

 

 

Feliz...

 

O que é a felicidade presente nas mensagens de fim de ano? A julgar pelo fato de ela se vincular ao Dia da Confraternização Universal e da Paz, “oficialmente” se trata da possibilidade de convivência fraterna e pacífica entre os homens. De fato, não seria esta uma coletiva e profunda felicidade?

 

Entretanto, uma vez desfrutando dessa sonhada felicidade coletiva, cada um, inevitavelmente, se perguntará qual a “sua felicidade”, qual a felicidade individual que lhe apetece. E a partir daí, desejar feliz ano novo a alguém se torna complicado. Um voto de feliz ano novo genérico, impessoal, revela que seu formulador deseja ao destinatário um mundo melhor que o vivenciado até aqui. Desejo um tanto vago, primeiro porque é conhecido o irrealismo dessa hipótese; segundo porque, se não é possível ser feliz sozinho, ali, com a sua meia dúzia de entes queridos, alguém pode desfrutar, sim, de uma vida próxima da felicidade, ainda que o mundo ao redor esteja ruindo.

 

Assim, um voto de feliz ano novo formulado com proximidade e, portanto, possibilidade de atingir o coração do outro, tem que ser, necessariamente, um voto que tenha em consideração um conhecimento da vida desse outro. Somente assim se pode desejar, por exemplo, um ano novo de superação de tristezas ou problemas (de uma doença de que se convalesce, da perda recente de um ente querido, do desemprego decorrente do corte de funcionário de que a pessoa foi vítima ao apagar das luzes do ano que termina etc.), um ano novo de novas conquistas ou de consolidação de antigas, um ano novo de colheitas pelo que se semeou até então, um ano novo que traga alegrias ainda não vividas ou renove as costumeiras.

 

Há uma maneira de comemorar o ano novo que atinge o máximo de satisfação. É aquela realizada ao ar livre (à beira-mar, por exemplo) por um casal, uma família, um trio de amigos, um pequeno grupo, enfim, misturado à multidão. Comemorada assim, a passagem de ano une o todo à parte, a multidão (o mundo) ao pequeno grupo (o eu ampliado) – juntos o “meu mundo” e o mundo todo gritam pelo futuro desejado, abstraindo-se as diferenças, desconsiderando-se as contradições e as inconsistências. Alegria pessoal e coletiva a um só tempo, durante o ato de renovação da esperança. Um Carnaval!

 

 

...Novo...

 

“Novo”, nos votos de feliz ano novo é palavra que tem tanta importância como “feliz”, pois funciona como o principal qualificador cronológico da felicidade. Ela, a felicidade, nesses votos, se encontra no porvir, este trazendo o que ainda não trouxe e é desejado ou, no mínimo, não trazendo aquilo que ameaça ou destrói o que já é possuído e não se quer perder. Novo, portanto, vem carregado de positividade – sequer se cogita, ao desejá-lo para si ou para outrem, que o novo venha a ser pior que o velho. O que, por sua vez, condena o velho à impossibilidade de ser melhor que o novo. “Adeus ano velho, feliz ano novo. Que tudo se realize no ano que vai nascer.” O que nascerá promete mais do que o já nascido: pode-se conceber maior confiança no futuro do que a expressa nessas palavras? Todavia, com o novo, cuidado! Do velho se sabe o que esperar, conhecido que é... Só que ele, o velho ano, no caso, já passou; e do passado não há o que esperar, a não ser lições, nem sempre aprendidas, nem sempre desejadas?

 

 

...Ano

 

Ano é uma unidade tempo. Nos votos de ano novo o tempo futuro é promissor. E funciona como Papai Noel: presenteia. Ou como o Cristo: enseja uma Nova Vida. Daí a proximidade, não só no calendário, entre as festas natalinas e as de ano novo. Mas tanto Papai Noel como Jesus são exigentes: presenteiam apenas os que, no passado e no presente, tiveram “bom comportamento”. O Tempo, este, como presenteador, dá a impressão de não se preocupar com a vida pregressa de ninguém para beneficiar ou prejudicar, tanto assim que não é incomum ele punir quem não merece e agraciar que não faz jus. Não se exija muito dele e ele não exige muito de ninguém – é ir levando, com confiança. Que venha o tempo novo, o ano novo.

 

Assim falando, a impressão que fica é que o tempo tem, em si, um conteúdo. Esquece-se que o tempo que permite identificar a passagem de um ano a outro é mera contagem, absolutamente arbitrária, a partir do giro do planeta Terra em torno da estrela do Sistema Solar. O ano tem início quando este giro, de aproximadamente 365 dias, recomeça. Este movimento, então computado pelo conhecimento humano, não passa disso: da duração de um movimento específico no espaço. Ele não traz nada de novo a cada ano, mês ou dia, a não ser uns poucos eventos espaciais que a Astronomia identifica com admirável precisão. Pelo contrário – e ainda bem, para a tranquilidade da existência da Humanidade – este movimento é repetitivo, cíclico, sendo tão velho quanto o planeta.

 

Então porque “tanto barulho por pouco”? Ocorre que se este movimento, para o universo é, de fato, pouco (dura quase nada, frente à eternidade), para cada ser humano é muito, pois sua carne dura um piscar de olhos – algo em torno de oitenta giros, quando muito. E, o mais importante, na sua pequena e conturbada duração, o homem carece de “preenchimento”. O tempo que lhe é dado serve para isso, para “preencher-se”. De quê? De mais do mesmo? De novidades? A resposta é: essencialmente de novidades. Ainda que estas se produzam lentamente em meio às velharias; por mais que a História seja, com tanta frequência, marcada por “mais do mesmo”, não seria História se não contivesse as novidades que lhe permitem avançar; na História, que se move dialeticamente, o “mais do mesmo” de hoje não é o “mais do mesmo” de ontem. É por isso que vale tanto o voto e a esperança de Feliz Ano Novo: ele representa a confiança de que continuaremos a “fazer História”, continuaremos a preencher o tempo com aquilo que, individual e coletivamente, conseguimos ser, sem nos repetirmos tal qual os demais seres vivos.

 

Feliz Novo Ano, então, bem entendida cada palavra deste voto! Bom preenchimento do próximo giro! Com capacidade para receber alegrias e tristezas, conquistas e derrotas, chegadas e partidas... Com aceitação da Vida, com boa acolhida de mais um trechinho dessa duração gratuita, que é medida em dias e meses que alcançam alguns anos, mas sentida conforme a intensidade de cada um. Intenso Ano Novo, então. Que a intensidade valha mais que a medição do tempo, em qualquer idade.

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