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  • Foto do escritorValdemir Pires

A economia da atenção



Entre as definições da economia, como ciência, a mais amplamente aceita é a que diz ser ela o estudo das condições e situações em que se deve decidir, implementar ou avaliar a alocação de recursos escassos entre fins alternativos. Estuda ela, portanto, os modos de entender e enfrentar a escassez. Onde esta não existe, não há razão para fazer uso do conhecimento econômico. Enquanto o oxigênio for um bem livre, devido à sua abundância (ou, dito de outro modo, por não ser suficientemente escasso a ponto de se poder dele privar os seres que o respiram, a não ser que por isso paguem), não haverá economia da respiração...


Fala-se, agora, de uma economia da atenção. Talvez porque esta tenha, de fato, se tornado excessivamente escassa, num mundo em que todos parecem clamar por serem vistos, ouvidos, atendidos, ajudados, confortados, admirados, queridos... bem remunerados. A busca de seguidores, likes, engajamento e que tais, nas redes sociais, parece ser a gota d´água ou o vento a favor desta noção de atenção como bem econômico, bem escasso que, portanto, agrega um valor que pode/deve ser monetizado. Uns poucos se destacam neste processo insano em que estão envolvidos os tais digital influencers e agentes do mesmo gênero. Conseguem chamar sobre si, pelas mais estapafúrdias razões, um volume descomunal de atenção, a partir do qual chegam a enriquecer, porque colocam a atenção captada a serviço de entes e entidades com menor potencial para fazer os olhos dos consumidores brilharem e seus dedos abrirem as carteiras (aproximarem ou inserirem os cartões, diante das “maquininhas”, melhor dizendo).


Mas fato é que a atenção, enquanto ato de focar o raciocínio e os sentimentos em algo de alguém ou em alguém, propriamente, sempre foi um bem (não confundir com produto, muito menos com mercadoria) indispensável à vida e às relações humanas. E parte desta atenção há muito é mercantilmente remunerada: basta lembrar, por exemplo, dos psicólogos, psicanalistas, médicos, advogados e, claro, economistas. São profissionais que cobram por consultas, ou seja, são remunerados basicamente pelo tempo que dispensam para ouvir, dialogar, diagnosticar, prognosticar, sob demanda. Essas atividades, entretanto, jamais suscitaram a emergência de uma economia da atenção.


Um tipo de atenção fundamental para a sobrevivência da espécie humana é a dos genitores. Sem pais e mães a cuidarem da própria prole, a espécie humana, dada sua inata dependência nas fases iniciais da vida, desapareceria. Não há pois, necessidade de atenção mais essencial. E também ela não levou a que se propusesse uma economia da atenção. Será que foi por esta não ser remunerada e, portanto, não ser percebida como algo com fundamento econômico? Certamente. Mas as crianças, contemporaneamente, se beneficiam só em parte dessa atenção gratuita, já que cedo passam aos cuidados de profissionais. E não raro começam a enfrentar a escassez de atenção parental, reduzida para que possa se tornar atenção aos crescentes afazeres profissionais, antes restrito ao lado masculino do casal.


Seja como for, não há que se negar, por tantas outras razões além das mencionadas, que a atenção, inclusive de natureza afetiva, tem crescentemente escasseado, a ponto de o atendimento nos setores comercial e de serviços estar sendo “terceirizado” para as máquinas. Basta um exemplo para deixar claro o caso. Há poucas décadas, quando alguém precisava comprar pães, aguardava na fila da padaria para ser atendido pelo balconista, ele próprio encarregado de ensacar os filões, entregar e cobrar do freguês. Depois veio a figura do caixa. Tornou-se necessário passar por dois balcões: num para pegar os pães, noutro para pagar por eles. Mas cada um dos profissionais – balconista e caixa – dava menos tempo de sua atenção para cada cliente. Mera divisão maximizadora dos resultados do trabalho. Mas agora o freguês chega no supermercado, serve-se do pão na vitrine em que ele está exposto e dirige-se ao caixa de autoatendimento (antes restrito apenas aos bancos – o setor em que primeiro a atenção presencial humana desapareceu). O velhinho aposentado, que gosta de conversa fiada e agora, finalmente, dispõe de tempo livre para ela e, já não conseguindo a atenção da esposa em casa (esta às voltas com as “conversas” no seu grupo de whatsapp), vai para o supermercado não para as compras, principalmente, mas para poder conversar por aí, entra em desespero...


Velhos e crianças, aliás, são os principais prejudicados pela eclosão dessa escassez de atenção, que engendrará, de fato, como solução mercantil, a economia da atenção, a ser aproveitada pelos empreendedores que conseguirem organizar bons depósitos de infantes e idosos, dando a impressão (vendendo a ideia) de que a eles se dedicam como se deve: amparando-os em suas necessidades como se fossem suas famílias, embora sem todo o afeto daquelas, como é de se esperar.


Também nas escolas e faculdades a atenção do mestre dirigida para os alunos escasseia. É tanta demanda por outras coisas, nessas instituições, hoje em dia, que os estudantes passam a ser um detalhe, um detalhe que atrapalha, incomoda. Atrapalha o professor pesquisador que vai ser tonando mais isso (pesquisador) que aquilo (professor) na faculdade. Atrapalha o professor do ensino pré-universitário, que antes de se dedicar à formação do aluno, dispensa seus esforços para inseri-lo nos circuitos da competição (avaliação e rankings educacionais), focando-se mais em provas e certames avaliativos que na trajetória de construção intelectual e humana das crianças e jovens. Por outro lado, é uma façanha o professor conseguir a atenção do aluno, agindo em sala contra o telefone móvel. Ou o orientador obter algum resultado de seu esforço de reunir indicações bibliográficas relevantes para o tema escolhido pelo mestrando, geralmente a partir de um "ter ouvido falar" ou ter visto em algum lugar na internet.


No fim das contas, a própria atenção que a pessoa tem que dar a si mesma vai minguando, a ponto de ter que ser comprada. Os personals isso e aquilo (a começar pelos personal trainners e personal stilists etc., até chegar aos tais coachs e tutores para tudo) vão se tornando numerosos e caros. Embora esses ajudem a amenizar – no caso de quem pode pagar – o pessoalmente desmazelar-se até de si, neste mundo da potencial economia da atenção, vai se aprofundando e se tornando irreversível, de modo que é inevitável que dar atenção ao outro se torne uma quase impossibilidade.


Logo, logo, o que era exclusivo das prostitutas vai se generalizar e, aí então, quem sabe?, toda a carga de críticas que sobre elas desde sempre pesou, terá que ser questionada: me paga que eu lhe ouço, me paga que eu lhe ajudo, me paga que eu lhe quero... Sob a lógica da ciência econômica predominante, não há tempo engajado em atenção ao outro que não agregue valor e que, portanto, não deva ser precificado e pago. Isto aceito, em breve haverá nas ruas lojas vendendo amizades, podendo ser escolhidas entre diversos tipos, menos aquelas profundas, construídas ao longo de anos e anos de convivência e camaradagens gratuitas, monetariamente falando.


Sei lá, o bagulho é doido, não é? Pior é que os economistas têm razão... O que lhes falta é sensibilidade, Jane Austen nos ajudaria a descobrir isso, se a ela fosse dada a devida atenção, tão escassa para a literatura quanto para gêneros de maior necessidade. Não é não?


A quem leu até aqui, agradeço a atenção. Mas não tenho como pagar. Termino dizendo isso: dê menos atenção aos economistas, pois eles reduzem o tempo (que é a vida de cada um, dedicada àquilo que lhe chama a atenção) a uma maçaroca que não considera mais do que a existência material, a sobrevivência e a busca de vantagens. Embora seja necessário dizer, e agora sim terminando, que há outras definições de economia e, consequentemente, outro tipo de economistas, que não aqueles sacerdotes do capital que tudo reduzem a mercadoria; que ao verem a vaca pastando no campo, nela divizam não o ruminante ser vivente, mas o animal cuja morte proporciona a carne que alimenta, o couro que aquece, o leite que sustenta; ou cuja vida vale pela energia para tração ou pelo sêmen para reprodução.

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