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  • Foto do escritorValdemir Pires

60 anos


Hoje completo 60 anos de vida. Legalmente, no Brasil, isso significa o ingresso na terceira idade. Não obstante o etarismo reinante no mundo, por aqui há os que insistem em chamar esta fase de “A melhor idade” – não sei de onde tiram esta ideia. Se bem que posso até imaginar, mas nunca concordar. Até porque não existe isso de “melhor idade”. Existem as idades, cada uma com suas características próprias, alegrias e tristezas, nem melhores nem piores em comparação umas com as outras. E se for para pensar com seriedade, a terceira idade é a que traz consigo mais potenciais tristezas que potenciais alegrias. Excluídas as exceções, as pessoas idosas enfrentam uma sequência crescente de perdas: amigos que morrem ou somem para sempre de vista, além de familiares; a capacidade declinante para fazer coisas do dia a dia; o acúmulo de desilusões; problemas de saúde; a sensação de estar terminando – a estranha sensação de ter mais passado que futuro e, ainda por cima, passado que a memória brinca de esconder... Enfim...


Amanhã mesmo vou fazer os encaminhamentos para obter a “carteirinha de idoso”, e então passar a desfrutar da imensa alegria de furar fila legitimamente e utilizar as vagas de estacionamento reservadas. Estive pensando numa vingança que eu teria desferido contra os velhos dos tempos em que eu não era um deles, e que atinge os novos agora que eu sou um velho: acordar às 7h, tomar café, me trocar, pegar o carro, ir até o centro da cidade, estacionar meu veículo numa vaga de supermercado ou órgão público superfrequentado (deixando a preciosa carteirinha no painel), tomar o ônibus de volta para casa, no fim da tarde regressar de ônibus ao local onde deixei o carro, resgatá-lo satisfeito e retornar ao lar para uma noite tranquila. Vou fazer isso só uma vez, porque, como se pode imaginar, é trabalhoso. Hahaha. Em Piracicaba chamam isso de “marvadeza”.


Terão que rever logo, logo a idade para conceder os privilégios em filas e estacionamentos para os bengalantes. Está terminando o bônus demográfico brasileiro. Não somos mais uma população predominantemente de jovens. Do jeito que a coisa anda, em breve seremos tantos idosos que todas as vagas de estacionamento terão que ser nossas. Não creio que os mais novos aceitarão isso. A situação tende a reforçar ainda mais o etarismo:


– Este velho ocioso vai passar na minha frente, sendo que eu tenho horário para regressar ao trabalho?


No que diz respeito à aposentadoria, as novas gerações já foram passadas para trás: a idade mínima foi consideravelmente elevada e a remuneração acessível, consideravelmente reduzida. Isso garante um futuro com idosos mais infelizes e mais amargos, ao passo que de imediato, por inveja, reforça uma vez mais o etarismo.


Mas, melhor não ficar pensando nisso. O pessimismo é, certamente, a pior companhia para a velhice. Alimentá-lo é passar à condição de morto-vivo, ingressar no reino dos resmungões, abraçar a rabugice, agir justificando o ponto de vista dos preconceituosos praticante do etarismo.


Otimismo, por seu turno, diante dos fatos inerentes à condição de idoso com nível econômico de vida médio-baixo e quase nula relevância para o mundo, não seria o caso: uma boa internação psiquiátrica conviria ao velhinho sorridente que por aí se aventurasse.


Que nos ajude, aos velhos, um dos melhores dos nossos, Ariano Suassuna (1927-2014), que com sua notória e hilariante sabedoria um dia disse: “O otimista é um tolo. O pessimista, um chato. Bom mesmo é ser um realista esperançoso.”


Não ser tolo nem chato e manter a esperança sem se deixar levar por ilusões. Boa receita, boa dica para a velharada, mas que serve, de fato, a todos, de qualquer idade. Não é coisa fácil de praticar, porém. Ainda assim, melhor tentar.


Até porque, um realista esperançoso, ingressando na terceira idade, tem como ninguém elementos para saber o que é real e o que é ilusão, pois dessa já teve a oportunidade de perder muita, sabedor dos resultados nocivos de se envolver com quimeras. Entre elas, talvez a pior seja imaginar e agir como se a juventude pudesse ser recuperada através de meios medicinais, cirúrgicos ou cosméticos. Feia, horripilante ilusão. Deus me livre!


Apesar da dificuldade em agarrar a esperança e não deixá-la fugir ao primeiro temporal, há motivos, sim, para este empreendimento, mesmo entre os mais velhos. Talvez a melhor tática seja partir de um terreno seguro: acreditar na natureza surpreendente da realidade. Depois, apostar numa arma de defesa – um bom escudo ou armadura – como a rejeição da trajetória predefinida.


Há uma previsibilidade inexorável na vida: nascer, viver, morrer; morrer não sendo de uma hora para a outra (a não ser nas exceções conhecidas, acidentais), mas aos poucos, com a perda paulatina das faculdades físicas e mentais. Mesmo nessa previsível inexorabilidade, há surpresas: o quando da ocorrência de incapacitações e da derrocada final não é conhecido por ninguém; além disso, cada indivíduo tem suas próprias potencialidades, alguns morrendo cedo, outros tarde, com mais ou com menos debilidades decorrentes do passar do tempo. Apostar que possa haver surpresas boas, mais do que ruins é um bom jogo. Sendo realista, não bobo otimista: claro que reveses ocorrerão.


É aí que entra a arma de defesa: aceitar a vida como ela é (ser realista), mas não aceitar que na fase (a terceira idade) em que ela tende a entrar em declínio, até chegar ao fim, o indivíduo se sinta ou aceite ser considerado um trapo. Jamais! Morto, só quando morrer! E com atestado de óbito assinado por médico competente.


O passado é um conjunto de pontos relativamente claros, unidos entre si de modo relativamente coerente (e o relativamente é adjetivo importante nisso), fornecendo ao eu uma trajetória relativamente desprovida de surpresas. O mesmo não acontece com o futuro, mesmo que para a vida de uma pessoa ele aponte na direção inevitável do fim. Por isso, enquanto há vida, enquanto o fim não chega, pode haver surpresa (tanto boa como ruim). E enquanto há vida, há também possibilidade de decidir e agir. Por que não decidir e agir, então, a favor da surpresa boa? Sempre é tempo, enquanto há tempo, de imaginar e ir em busca de sonhos e estes existem em infinita quantidade e em numerosa variedade. Ao passo que a velhice é uma fase em que se pode usufruir de certa liberdade para cometer loucuras – coisa que aparentemente passa despercebida da maioria. Por quê? Porque o velho está rotulado como aquele que deve, por natureza e obrigação social, ficar no seu canto, permitir que o mundo siga seu curso em benefício dos que agora são novos e legitimamente beneficiários do que há por viver. Se não o faz, dizem ter enlouquecido. Que enlouqueça, então, ora! Claro, claro, com o cuidado de não se achar nem se meter a ser jovem. Ir para o jogo, sim, mas cada um no seu time, não é?


No mais, é comemorar sempre, até o fim, algumas conquistas e as lutas para chegar a elas; a presença (não necessariamente física, em alguns casos) das pessoas queridas (família, amigos); a capacidade de seguir vivendo equilibrando-se entre dores e prazeres, vitórias e derrotas; o privilégio de estar sendo – o milagre da vida; a oportunidade de ser um fio neste tecido que é a Humanidade, dela tendo a cara e nela colocando a sua, num jogo de máscaras de que todos são parte, para o bem e para o mal.


Rita Lee (1947-2023) certa vez disse: “Envelhecer não é para maricas. Eu não recomendo a ninguém.” Justo ela, que envelheceu tão bem aos olhos alheios. Sinal de que entre os olhos alheios e os nossos há uma diferença enorme. Aos olhos dos que envelhecem é bom que aconteça como diz Milan Kundera (1929-2023), “Existe uma parte de todos nós que vive fora do tempo. Talvez só tomemos consciência da nossa idade em momentos excepcionais, na maioria do tempo não temos idade.”


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