Sou fã de Calvino. Italo Calvino, o italiano da revolução (partigiano); não o João Calvino, o francês da reforma. Eu o li pela primeira vez já adulto, acho que lá por meados dos anos 1990, começando por Palomar, o personagem com nome de telescópio que se admira e fica embaraçado diante de pequenas coisas e acontecimentos do quotidiano (a edição que tenho, da Companhia das Letras, é de 1994). Depois, nos anos 2000, li Os amores difíceis, de alguma biblioteca (a edição de bolso que tenho, adquiri em 2016, por vontade de reler e reter). Seis propostas para o próximo milênio, do Calvino ensaísta, profundo com leveza, consolidou minha admiração e vontade de seguir lendo-o e relendo-o, como tenho feito sem cessar.
Até o ano retrasado, esta minha relação com o autor do magnífico As cidades invisíveis (lido e relido várias vezes, inclusive em voz alta para uma pessoa que amo) era de desejo de uma "convivência" mais regular e profunda, esgotando toda a obra. Enquanto tantas pessoas sonham com a aposentadoria para viajar ou fazer nada, eu sempre quis fazer dela o momento para ler, ler, ler e reler só o que gosto - outra forma de viajar, sem sair do lugar, mas conhecendo muito mais lugares, inclusive os apenas imagináveis (como as cidades descritas por Marco Polo ao Grande Khan em As cidades invisíveis).
2022-2023 trouxeram-me, enfim, a oportunidade de um tempo meu, só meu, com Calvino, só com ele, para "ouvi-lo" sem pressa, sem obrigação, sem motivo que não o prazer da comunhão de um espírito com outro, nos interstícios das linhas escritas.
Reli as obras dele que já tinha, adquiri em sebos e li várias que ainda não tinha (não lidas ou lidas em exemplares de bibliotecas); continuo adquirindo as demais e vou adquirir as futuras (a Companhia das Letras está com pelo menos duas novas em pré-venda). Descobri, ouvindo um estudioso que traduziu as cartas dele (que, parece, serão publicadas), que em 2023 se comemora o centenário do nascimento de Calvino. Que coincidência que eu esteja mergulhando neste universo humano justamente quando se completam cem anos de seu aparecimento (15/10/1923! E, outra coincidência: nascemos no mesmo mês, com quase exatos quarenta anos de distância, eu na América Latina (onde permaneci), ele no Caribe (de onde foi levado ainda bebê para San Remo, na Itália).
A esta altura das minhas leituras e releituras da literatura e da ensaística de Italo Calvino, eu sinto uma forte familiaridade com o modo dele de pensar e de expressar-se. Com ele me identifico tanto, no tocante ao que seja o mundo e a como encarar o nele estar, que tenho a impressão de ser capaz de escrever a sexta proposta para o próximo milênio (consistência), ausente do livro sobre o assunto, por ter ele ter morrido (em 19/09/1985) antes de concluí-la. O desafio é mostrar como, dialogando com a literatura, leveza, rapidez, exatidão, visibilidade e multiplicidade (as cinco lições americanas legadas por ele), juntas, dão à literatura (arte) uma consistência que em nada fica devendo à filosofia ou à ciência; e também discutir sobre a consistência do texto literário em termos de seu conteúdo e de sua forma, assim como de sua ligação com a realidade em que se insere e a qual transforma (mundo escrito e mundo não escrito - que dão título a outro livro de Calvino).
A minha vontade de resenhar os livros lidos, relidos e treslidos de Calvino tem me acompanhado. Seria uma forma tanto de consolidar em mim as tantas aquisições decorrentes dessas leituras, como, também, uma contribuição no sentido de atrair leitores para este gigante do século XX, para sempre inscrito no pensamento e na arte de todos os tempos.
ITALO CALVINO - Obras lidas
Ficção
Il sentiero dei nidi di ragno[ (1947) (pt: O atalho dos ninhos de aranha. Lisboa Editores Reunidos, 1995 ; br: A trilha dos ninhos de aranha, São Paulo : Companhia das Letras, 2004)
Il visconte dimezzato (1952) (br: O visconde partido ao meio; pt: O visconde cortado ao meio. Lisboa: Teorema, 1986[?])
Il barone rampante (1957) (br: O barão nas árvores (2009); pt: O barão trepador)
La speculazione edilizia (1958) (br: A especulação imobiliária, Nova Fronbteira, 1986)
Il cavaliere inesistente (1959) (br: O cavaleiro inexistente. São Paulo: Companhia das Letras, 2004, ©1993)
Os nossos antepassados [Reunião de Visconde, barão e cavaleiro]
La giornata di uno scrutatore (1963) (br: O dia de um escrutinador)
· Marcovaldo ou as estações da cidade (1963)
Le cosmicomiche (1965) (br: As cosmicômicas. São Paulo: Companhia das Letras, 2000, 1992)
Ti con zero (1967) [A adquirir]
Gli amori difficili (1970) (br: Os amores difíceis. São Paulo: Companhia das Letras, 1996)
Le città invisibili (1972) (br: As cidades invisíveis. São Paulo: Companhia das Letras, 1994)
Il castello dei destini incrociati (1969) (pt: O castelo dos destinos cruzados. Lisboa: Livraria Bertrand, 1973)
Se una notte d'inverno un viaggiatore (1979) (br: Se um viajante numa noite de inverno. São Paulo: Companhia das Letras, 1999)
Palomar (1983) (br: Palomar. São Paulo: Companhia das Letras, 2004, ©1990)
Sotto il sole giaguaro (1988) (br: Sob o sol-jaguar. São Paulo: Companhia das Letras, 2001)
Perde quem fica zangado primeiro (1998) [Infantil].
Um general na biblioteca (Prima che tu dica “Pronto”)
Ensaios, artigos, resenhas, crônicas
Perché leggere i classici (1991) (pt : Porquê ler os clássicos. Lisboa: Teorema, 1994[?]; br: Por que ler os clássicos. São Paulo: Companhia das Letras, 2004)
Lezioni americane: Sei proposte per il prossimo millennio (br: Seis propostas para o próximo milênio, São Paulo: Companhia das Letras,1990)
Una pietra sopra (1982) (en: The uses of literature, New York: Harcourt Brace & Co.,1986) br:Assunto encerrado
Mundo escrito e mundo não escrito
Coleção de areia
Organização
Fábulas italianas (1956)
Contos fantásticos do século XIX (1983)
Biográficas
La strada di San Giovanni (1990) (br: O caminho de San Giovanni. São Paulo: Companhia das Letras, 2000)
Eremita em Paris
2023 (Centenário, Cia. das Letras) [A adquirir]
Um otimista na América
A entrada na guerra
Cartas [Serão publicadas?]
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