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  • Foto do escritorValdemir Pires

Toda explicação é uma opinião



Sequer fatos existem. Se esta afirmativa choca alguém que a leia, isso se deve a um choque de opiniões: a daquele que a apresenta e a daquele que toma conhecimento dela. E isto é um fato! Será? Bem, se fatos não existem, como pode a afirmativa de que fatos não existem ser, ela só, um fato? Não seria mera opinião?

            Suspendamos, por ora, este paradoxo. Sequer fatos existem, na medida que de um acontecimento só pode existir um relato – uma notícia dada no jornal, no rádio, na TV, na internet ou transmitida boca a boca – no caso de acontecimentos recentes; um estudo circunstanciado, no caso de um acontecimento histórico ou pré-histórico. Quem noticia, conta, narra, relata, historia, o faz a partir de uma subjetividade que compromete a objetividade, em maior ou menor grau. Sempre há visões parciais, interessadas, enviesadas, enganadas – nunca completas, jamais neutras. Tudo que se diz acerca de acontecidos vem manchado por uma opinião: uma conjectura, uma suposição, uma determinada percepção, que se torna uma versão, restrita ou amplamente aceita, dependente de uma série de circunstâncias, tantas vezes relacionadas à credibilidade do narrador, às conveniências do momento, ao poder do divulgador etc.

            Seja como for, o único fato (será?) é que fatos não existem; o que existem são versões de acontecidos. Em outras palavras, opiniões que desenham a realidade transcorrida conforme o peso de certos aspectos presentes na subjetividade ou nas subjetividades que relatam os acontecidos e nas subjetividades que acreditam no que é relatado ou aceitam-no como verídico (acreditando ou não). Portanto, a objetividade é uma construção coletiva, a partir da interação entre subjetividades.

            Dizer que a ciência é objetiva – sendo exclusiva fonte da verdade – e que rejeita a opinião é um exagero. Tudo que existe para explicar algo é opinião, mesmo que seja uma opinião cientificamente embasada. Esta a questão: qual a base da opinião que se aceita; e não se a explicação oferecida é científica ou opinativa. Até porque, no dia em que a opinião, na forma de hipótese, desaparecer, terá desaparecido o que chamamos de ciência, que avança exatamente através do movimento de hipóteses que se contradizem, as teses. Newton dizia que o tempo é absoluto; Einstein, que ele é relativo. A Terra um dia não foi redonda e nem girou... Ora!

            Portanto, cuidado com esta mania contemporânea de atribuir ao pensamento e ao fazer científicos a condição única para entender e lidar com o mundo, os seres, as relações entre eles e os resultados obtidos. A religião/teologia é uma fonte de explicações, assim como a mitologia; a arte é outra, da mesma forma que a especulação filosófica; assim também a ciência, com a diferença de que esta se tornou hegemônica devido aos resultados que apresenta para lidar com a matéria – não se podendo dizer o mesmo no que tange às relações e às ideias, aí incluídas as imaginárias, ficcionais, que tanto contam para a existência humana (felizmente). Em qualquer âmbito de conhecimento, a explicação é antecedida pela compreensão e não existe compreensão que não seja fruto de uma elaboração mental individual, necessariamente limitada, parcial, interessada.

            Uma vez que toda explicação é uma opinião, o que resta é buscar que elas convivam bem (no mínimo construtivamente) umas com as outras, assim como os seres humanos que as sustentam, sempre na busca de um mundo melhor, uma vida melhor, melhores tempos (de acordo, claro, com as opiniões que tendencialmente são divergentes, mas que podem, sim, convergir parcialmente para que se possa seguir em frente). Para que assim seja, há dois obstáculos enormes: a ignorância e a intolerância, levadas a extremos quando se juntam.

            Dotada de dados e informações (circulando rapidamente como nunca antes) como nenhuma outra anterior, a atual comunidade global do conhecimento enfrenta a contradição de possuir a base necessária para reduzir a ignorância e, ao mesmo tempo, se ver frente a frente com uma crescente intolerância. Por quê? Em boa medida porque a sensação (falsa) de conhecimento do cidadão comum de hoje sobrepuja a de um estudioso dos séculos durante os quais a razão e seu braço direito (a ciência) fizeram os avanços que nos trouxeram até aqui, com os computadores e redes de relacionamento virtual instantâneo à nossa disposição. Os cientistas, os estudiosos, os intelectuais, hoje em dia, já não são perseguidos pela Inquisição dos católicos, mas são malvistos pelos novos detentores das verdades laicas e leigas que pontificam a partir de... opiniões facilmente recolhidas aqui, ali e acolá, sem qualquer cuidado com a verificação de fontes e fundamentos. Não se diga que sejam elas opiniões sem bases, mas sim que muitas (tantas!) vezes só param em pé porque repousam sobre falsas bases ou argumentos – sobre opiniões, meras opiniões, que se apresentam porque nada custam e em nada comprometem...

            E volta-se ao começo: opiniões. Toda explicação é uma opinião. É preciso, apenas, que cada uma seja posta no seu lugar. Para que servem as opiniões/explicações teológicas? E as mitológicas? E as filosóficas? E as artísticas? E as científicas, já considerando as diferenças entre as ciências da natureza e as humanas/sociais?  

            É preciso, também, que cada opinante seja posto em seu devido lugar e o aceite: não se pode dar o mesmo peso à opinião (teológica, mitológica, filosófica, artística ou científica) de alguém que constrói sua versão, trabalhando com método e afinco durante toda a vida, e à opinião de um sujeito que trata do que pensou ontem pela primeira vez e chegou a uma conclusão em que acredita. Mais próximo da objetividade está aquele que, a partir de sua subjetividade e observando a dos demais, busca, com corpo e alma, o entendimento, a razão, a sabedoria. Não são a profusão, o acesso desimpedido, o manejo facilitado de dados e informações as únicas condições para o verdadeiro avanço do conhecimento acerca do mundo, dos seres e das relações entre eles: é preciso, além disso, as mentes capazes de formulações próprias (opiniões individuais) que possam se transformar em explicações (opiniões coletivamente aceitas, pelo menos majoritariamente), graças à aceitação, não passiva nem reverente, mas ao menos cordial, da parte das mentes que não se dedicam às formulações. Que tal concepção é elitista, não há dúvida.

Mas sobre a existência e até mesmo sobre a necessidade das elites, é preciso outra, complicada e indispensável discussão. Embora todo o argumentado até aqui não passe de... uma opinião. Que não teve a intenção de ser... elitista.

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