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  • Foto do escritorValdemir Pires

Stoner



Sobre Stoner, de John WILLIAMS, trad. de Marcos Mafferi (Rio de Janeiro: Rádio Londres, 2015, 314 p.).

 

            Alguns romances, na história da literatura, criam personagens que se tornam verdadeiros arquétipos de comportamentos, sentimentos ou situações. Como explicar o amor (romântico) impossível? Romeu e Julieta, de Shakespeare, bastam. Como entender o remorso? Raskólnikov, de Dostoiévski, é suficiente. Como adentrar “o clima” urbano da Paris (borbulhante como champanhe) do século XIX? Balzac, acima de todos, com a vasta Comédia Humana. Os grandes romances e contos contribuem para configurar o modo coletivo de sentir e de reagir ao mundo, portanto transformando-o a partir da arte literária, do manejo expressivo da palavra.

            Stoner (1965), de John Williams, pode ser colocado na estante dessas obras alicerçantes. O que é ser estoico (essa atitude filosófica hoje em moda, no discurso; rara, porém, nas práticas quotidianas) ou resiliente (essa necessidade face à vida dura da modernidade e pós-modernidade)? É viver como viveu o professor universitário William Stoner. Sua vida (1891-1956), que atravessou as duas guerras mundiais, vista em retrospectiva, é de uma beleza pungente. Vivê-la, entretanto, como ele a viveu, é que são elas: precisou ser como sugere seu sobrenome – algo como "petrificante" ou "petrificador" – ou seja, emergir de adversas condições, em meio a elas vindo a ser, sustentar-se com seus próprios meios físicos, sem meios para reclamar ou pedir ajuda.

            De origem humilde, filho único de pequenos agricultores, Stoner foi para a Universidade do Missouri (UM) para cursar Ciências Agrárias – assim se capacitaria para melhorar o desempenho da propriedade paterna. Mas desviou para Língua e Literatura, tornando-se professor nessa área na mesma universidade em que se graduou e doutorou.

Foi um homem de um único lugar (a vida inteira na UM); de apenas dois amigos (o idealista David Masters e o pragmático Gordon Finch), se não for considerado como tal seu inspirador nas Letras e protetor na vida profissional, o professor Archer Sloane; de somente duas mulheres: Edith Elaine Bostwick, com quem se casou, e sua aluna Katherine Driscoll, com quem conheceu o amor. Teve uma única filha, Grace, que se perdeu no alcoolismo; e escreveu um único livro, de pequena repercussão.

            Sloane amou profundamente a literatura e a docência. Nunca abandonou esse amor, apesar de todos os reveses que lhe foram impostos na vida acadêmica, perseguido pelo implacável Hollis N. Lomax. Manteve a vida toda um respeitoso amor, desde o início desiludido, pela esposa desequilibrada e perversa, deixando-o sublimar-se no extremo carinho pela filha; e abriu mão do amor tardio e profundo pela “garota Driscoll”, ceifado pelas maquinações de Lomax. Viveu uma amizade longa e confortante com Gordon. E isso foi tudo, em meio às dificuldades para se sustentar economicamente e se manter em pé diante das típicas maquinações do ambiente universitário, tudo isso num mundo violento e incerto ameaçado por duas guerras sem precedentes.

            Stoner é um romance escrito com profundidade (em termos de conteúdo) e, ao mesmo tempo, leveza (quanto à forma). É impossível parar de lê-lo. O primeiro capítulo é praticamente um conto-chamariz (24 páginas entregando uma história curta completa), apresentando a personagem, suas origens e a principal decisão de sua vida. Os demais seguem uma lógica cronológica, chegando até a morte do herói. Terminada a leitura, fica na alma um desejo: o de ter força e sabedoria para aceitar o destino e a morte, da vida (dessa estranha vida) colhendo o que a busca do amor e da beleza permitir.

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