Cidades visíveis - Abu Dabi
- Valdemir Pires
- 23 de abr.
- 3 min de leitura
Atualizado: 24 de abr.

Por muito tempo o Golfo Pérsico foi conhecido como uma fonte abundante de pérolas de qualidade, o negócio propiciado pelas ostras funcionando como base da economia em todas as áreas às suas margens, cheias de reentrâncias e estreitos, que facilitam o trabalho dos mergulhadores. Até que foram descobertos os depósitos de petróleo, nos anos 1930. Abu Dabi (onde o petróleo entra em cena somente nos anos 1960) é uma das várias cidades que compartilham essa história de sucesso e riqueza a partir de uma dádiva da natureza combinada com um modelo de desenvolvimento econômico mundial que tem no petróleo uma de suas principais fontes de energia.


Capital dos Emirados Árabes Unidos (EAU), Abu Dabi não é a mais rica nem a mais notável cidade erigida em curto espaço de tempo, a peso de ouro, no Golfo Pérsico, atraindo admiração geral pelas suas características. Embora não seja o cartão postal do país (lugar ocupado por Dubai), é de uma beleza impossível de ignorar, com um toque futurista (urbanístico, arquitetônico, infraestrutural) sem negar ou esconder seu passado (mesquitas, souqs, gastronomia, vestuário, deserto, camelo). Centro financeiro e imobiliário regado pela abundância de fundos propiciada pela indústria e pelo comércio internacional de petróleo e gás, caminha aceleradamente para a condição de notável no campo do turismo e da cultura.

Um complexo sistema de pontes (Maqta, Mussafá, Xeique Zaíde e Al-Mafraq) conectando pistas longas e largas, de alta qualidade (em termos de material rolante, sinalização, sistemas de segurança, iluminação embelezamento e manutenção regular) é um dos primeiros aspectos a chamar a atenção em Abu Dabi (não menos do que os edifícios de arquitetura ousada, que primam pela aparência espelhada).

Pelas vias de Abu Dabi circulam veículos novos, muitos de luxo, ao lado de numerosas motocicletas de empresas de entrega, que empregam uma multidão de estrangeiros (dentre ss 87% de estrangeiros que compõem a população dos EAU). O sistema de transporte coletivo por ônibus é eficiente, os pontos de parada indicados na pista por uma grande faixa vermelha ladeada por cabines de espera padronizadas de cor escura. Apesar das severas condições climáticas dos EAU, em Abu Dabi árvores e canteiros extremamente bem cuidados enfeitam ruas, praças e jardins.


Quem já circulou por outros países do Golfo Pérsico logo nota que nas ruas de Abu Dabi há uma diferença significativa: a onipresença de homens e mulheres com trajes típicos da região não se verifica; a maioria dos transeuntes traja-se à ocidental, inclusive ambos os sexos às vezes de bermudas e camisetas.


Entre as edificações de alto luxo da cidade, que são muitas, destaca-se, pela singularidade de seus traços, o Emirates Palace: um hotel com 394 quartos, todo ricamente decorado, inclusive com muito ouro (até em paredes), concluído em 2005, diz-se que ao custo de 3 bilhões de dólares. Não por tanto esplendor, embora com edificações admiravelmente arrojadas, chama a atenção também a presença do Museu do Louvre em Abu Dabi, com amplo acervo mantido e franqueado ao público sob sofisticadas condições.


Opulência e ousadia saltam aos olhos na capital dos Emirados Árabes Unidos, em estreita relação com a calma inspiração que vem das águas em que se refletem os seus altos edifícios, ainda mais ao cair da tarde. O poder da grana fala ali o seu idioma preferido, intimidatório, mas, ao mesmo tempo, possibilitador, para quem tem posses, para aqueles que as têm.
Quem chega à capital dos Emirados Árabes Unidos já tendo passado por Doha, Manama e Kuwait, em Abu Dabi já está sentindo o que sentiu e diz Calvino (não em seu As cidades invisíveis, mas num dos ensaios/crônicas de seu Coleção de areia), depois de algum tempo estranhando tudo no Japão: “Quando tudo tiver encontrado uma ordem e um lugar em minha mente, começarei a não achar mais nada digno de nota, a não ver mais os que estou vendo. Porque ver quer dizer perceber diferenças, e, tão logo as diferenças se uniformizam no cotidiano previsível, o olhar passa a escorrer numa superfície loisa e sem ranhuras.” De fato, as diferenças vão esmaecendo, o estranhamento vai se tornando familiaridade, a assimilação vai acontecendo, como deve ter ocorrido com muitos dos históricos cruzados que, na Terra Santa, para impor o modo de vida cristão, foram eles próprios adquirindo hábitos e modos da gente do lugar, para escândalo daqueles que os haviam enviado em missão "corretiva".


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