Revista de Conjuntura do CORECON-SP, out-dez/2000
Na aurora do capitalismo, a comparação do sistema de trocas livre com as práticas feudais em decadência e com as práticas mercantilistas restritivas, então predominantes, tornou relativamente fácil a defesa, às vezes até eufórica, do mercado, contra outros tipos de organização econômica. É isso que explica em grande parte o otimismo presente nas obras fundadoras da ciência econômica, principalmente em A riqueza das nações, de Adam Smith, escrita em 1776. A aceitação das práticas que se iniciavam e dos argumentos da ciência que se estava fundando, contribuíram para a configuração de um tipo específico de sociedade, capaz de incluir um contingente crescente de indivíduos à vida “normal”, assim considerada a vida norteada pela liberdade individual, respeitadas algumas regras políticas e a propriedade privada. Nesse tipo de sociedade, começaram a ser consideradas “anormais” as ações que permitiam a apropriação de algum lote de riqueza sem contrapartida aceita pelo lado desapropriado. Empreendimento (entendido como aplicação de talentos e de recursos previamente estocados) e trabalho, e não simplesmente propriedade e poder político, passaram a ser os ingredientes legitimadores da posse e usufruto de estoques e fluxos de riqueza.
Já bastante desenvolvido, o capitalismo começou a ser explicado não só como um sistema de colaboração que atende simultaneamente aos interesses individuais e aos interesses coletivos (graças à divisão do trabalho e à tendência natural à troca presente na natureza humana, segundo Adam Smith), mas também como um sistema que se conduz por si mesmo ao equilíbrio. A mão invisível, já percebida pelos economistas clássicos, passou, entre 1870 e 1930, a ser teorizada em termos bastante matematizados, pela chamada Escola Neoclássica, chegando-se a um arcabouço teórico e técnico que formatou o modo de pensar do economista profissional. O sucesso do capitalismo, enquanto instrumento propiciador do progresso material e das liberdades políticas, passou a ser amplamente enfatizado. Daí resultaram severas críticas à intervenção econômica governamental, aceita somente até o ponto em que não extrapolasse a estruturação das regras e a garantia dos contratos. Teoria e prática pareciam caminhar de mãos dadas, até que a crise de 1929 colocou em xeque a validade da lei da oferta e da procura como exclusivos reguladores do equilíbrio e da prosperidade. O desemprego revelou sua capacidade de permanência e trouxe à tona a possibilidade de cessar a capacidade de inclusão que vinha sendo a marca legitimadora do capitalismo.
Em 1936, em sua revolucionária Teoria geral do emprego, do juro e da moeda, John Maynard Keynes se encarregou de incluir novos ingredientes ao pensamento econômico, tornando-o capaz de equacionar de modo mais realista e rápido o problema do desemprego e das variações no nível geral de preços. Ao fazê-lo, incluiu o governo como um ente econômico legítimo, desde que voltado para a manutenção do nível geral de renda, de emprego e de preços, protegendo a economia de distorções e quedas do produto capazes de desorganizá-la e de inviabilizar a inclusão que a caracteriza.
Assim, desde meados dos anos 30 foi se consolidando a visão até pouco predominante sobre o funcionamento da economia: de uma lado, o 1o. setor (o setor privado, constituído pelas empresas) atua perseguindo o lucro, obtido somente quando oferece os bens e serviços demandados, a um dado preço e respeitado certo patamar de produtividade; de outro lado, o 2o. setor (o governo), intervém planejando, regulando (através da política econômica) e assegurando a provisão de certos bens (públicos e meritórios).
Não tardou para que a intervenção governamental, agora já aceita (apesar do incessante discurso liberal contrário), começasse a tomar rumos de cunho social. Um estado do bem-estar social logo passou a ser defendido e efetivamente construído em alguns países, não só acatando as idéias keynesianas, mas também agregando os ideais de sociedade menos desigual da social-democracia. Em tais circunstância já não se acredita mais na possibilidade auto-reguladora do mercado, nem na infinitude de sua capacidade de inclusão, com os níveis de bem-estar elevados agora vislumbrados por uma sociedade muito mais bem aquinhoada (em termos quantitativos e qualitativos) do que a que se conheceu no início do capitalismo.
O capitalismo avançou, os anos de ouro do segundo pós-guerra lançaram seu brilho até meados dos anos 70, construindo um patamar de produtividade inusitado mas, ao mesmo tempo, solapando a capacidade de inclusão via mercado e a capacidade de socorro governamental aos excluídos. Teve início o ocaso do Estado do bem-estar social. Em seu lugar, pretende-se hoje um Estado (2o. setor) planejador, potencializador, viabilizador, mais ágil e menos intervencionista (ao estilo da onda da “reinvenção do governo”). Em estreita colaboração com o Estado e entre si, pretende-se que se consolidem uma iniciativa privada (1o. setor) extremamente eficiente na busca de lucro e, portanto, da produtividade e um 3o. setor (organizações não-governamentais) que zele pelos desassistidos e fracassados e pelas causas para as quais o 1o setor não se interessa e o 2o. setor não tem competência para tratar.
Um fato digno de nota é que desde Adam Smith até hoje, as condições para acesso à riqueza admitidas são aquelas propiciadas ou pelo mercado (compra e venda), ou pelo governo (políticas públicas e políticas assistenciais) ou pela caridade, se as outras duas não funcionarem. O empreendimento, o emprego ou o socorro (governamental ou filantrópico) tem sido as formas admitidas de obtenção de riqueza ao longo da existência do capitalismo e da teoria econômica. Outras formas de acesso a fatias do bolo em que consiste a riqueza social têm sido consideradas marginais e patológicas, devendo ser combatidas, se não puderem ser eliminadas. Dentre essas formas de acesso à riqueza figuram: assaltos, roubos, furtos, corrupção, produção e comércio ilícitos (prostituição, drogas, jogos etc.), chantagem (como sequestros, por exemplo), saque, abuso de poder (econômico ou político), golpes e logros, invasões etc.
Ocorre, todavia, que de tal modo e com tal rapidez têm crescido os mecanismos “alternativos” de acesso à riqueza socialmente produzida, que já não parece mais correto simplesmente considerá-los marginais e esporádicos, combatendo-os através da proibição legal e da aplicação de penas. Observa-se um crescimento assustador do contingente de seres humanos impossibilitados de prover sua subsistência através das formas “normais” de acesso à riqueza ou desestimulados a fazê-lo. Assim como cresce a convicção de que hoje existe toda uma rede de indivíduos e grupos que no jargão policial denomina-se crime organizado. Trata-se de uma grande indústria, de tal magnitude, expressão e poder, que certamente adquire o status de 4o. setor. Sem margens para dúvidas, ele é muito maior que o chamado 3o. setor num grande número de economias nacionais hoje, talvez ocorrendo o mesmo em âmbito mundial. Além disso, é provável que se trate de uma indústria oligopolizada, com algumas “firmas” dominando fatias significativas da “demanda”.
Atualmente floresce lentamente uma literatura econômica que procura explicar a lógica e o funcionamento do que aqui se está chamando de 4o. setor. Em sua maioria, os autores procuram flagrar os motivos que tornam mais atraente um crime do que a ação lícita, fornecendo bases para a adoção de medidas que tornem menos conveniente a relação custo-benefício das prática criminosas. Em geral o pensamento econômico segue a rotina de considerar a anormalidade e a exceção como características de tais práticas, o que parece um caminho de alcance limitado.
Enquanto as formas “alternativas” ilícitas de acesso à riqueza continuarem sendo tratadas como simples “casos de polícia”, seguirão prosperando e construindo potencial para solapar por completo o modo de vida construído ao longo dos últimos três séculos, lançando uma nuvem negra sobre o novo milênio que se anuncia. É preciso encará-las como dado “normal” da realidade capitalista atual (prosperando e entrando em recessão de acordo com a conjuntura, ou seja, movendo-se em ciclos, do mesmo modo que o mercado).
Somente partindo dessa mudança de paradigma será possível canalizar os esforços práticos e teóricos para a construção de uma sociedade em que as condições de vida sejam mais aceitáveis, menos arriscadas, mais favoráveis ao desenvolvimento das qualidades humanas. Tal mudança de perspectiva implica forçosamente na necessidade de reformas no que se considera “normal” e não somente no combate ao que se julga “anormal”, uma vez que a anormalidade talvez esteja se ampliando devido à falta de funcionalidade do “normal”.
A CORRUPÇÃO: COMPONENTE CULTURAL NÃO MENSURÁVEL
A corrupção, motor de um dos subsetores do 4o. setor da economia, ganhou destaque nos noticiários em todo o mundo, nos últimos anos, alcançando governos, empresas e o mercado financeiro. Deixou de ser um fato isolado, típico de países subdesenvolvidos, ocorrendo com maior intensidade também em economias avançadas. Provavelmente foi incrementada pelas mudanças radicais nas formas de acumulação (que diminuem oportunidades de acesso à riqueza pela via dos investimentos tradicionais) e facilitada pela intensificação da forma escritural da riqueza (que torna mais fáceis as práticas ilícitas).
A preocupação com a corrupção de grande porte, que desvia recursos gigantescos dos orçamentos públicos e que pode levar empresas à bancarrota, destruir cooperativas e sociedades anônimas, tem crescido, levando ao surgimento de tentativas de mensurá-la e combatê-la a partir da denúncia e da punição. As tarefas antes delegadas a tribunais de contas, comissões de valores mobiliários e congêneres agora começam a ser assumidas informal e paralelamente por instituições e grupos organizados no interior da sociedade civil. Organizações não-governamentais são criadas para esta finalidade, fundações e governos destinam recursos para apoiá-las. Aos poucos, o combate à corrupção vai se tornando uma questão de cidadania, comparecendo com força excepcional nas plataformas eleitorais e em planos de trabalho de dirigentes de organismos públicos e privados (associações de classe, fundações filantrópicas, clubes etc.).
Fundada em 1995, a Transparência Internacional é uma das entidades surgidas no bojo das mudanças no tratamento à corrupção. Trata-se de uma organização de caráter global, que elabora periodicamente um índice de percepção da corrupção, fortemente divulgado, com boa acolhida pela imprensa e pela opinião pública. Apesar da importância que esta iniciativa e esta organização certamente têm, do ponto de vista ético, é necessário analisar com cuidado seu alcance. Num contexto de economia globalizada, em que as decisões financeiras são tomadas tendo por referência diversos parâmetros que são apenas indícios do quadro social e econômico geral utilizado para configurar as expectativas dos investidores, corre-se sempre o risco de inviabilizar um país ou região com informações nem sempre significativas ou, pelo contrário, canalizar recursos escassos para áreas e atividades de retorno duvidoso, com risco não só de perdas para inversionistas individuais, como também de instabilidade sistêmica.
Por mais sofisticada que seja a técnica utilizada para a construção de um índice para medir a corrupção (ou sua percepção, como é o caso), é preciso ter claro que a corrupção é um fenômeno impossível de ser apreendido quantitativamente. A percepção que dela se tem e o impacto que provoca podem ser compreendidos e até sentidos, mas dificilmente quantificados de alguma maneira que inspire confiança. Consta que a técnica de montagem do índice de corrupção tem por base a opinião de um conjunto de pessoas que são entrevistadas com o objetivo de apontar qual o grau de corrupção que avaliam estar ocorrendo na sociedade num determinado momento. Os próprios formuladores dessa metodologia vêem o seu limite. Várias questões podem ser colocadas. Como são escolhidos os entrevistados? Que garantia há de que advogados, funcionários públicos, jornalistas etc. estejam sendo sinceros? Como lidar com o fato de que o entendimento do que seja corrupção varia de pessoa para pessoa? Que sentido tem agregar opiniões díspares?
Um índice de percepção da corrupção, mesmo que fosse construído com base em metodologia aceitável, ainda assim teria problemas. Primeiro, ele seria a expressão de opiniões que dependem do grau de informação detido pelos entrevistados. Essas informações não circulam livremente, pois a corrupção é algo que não se procura mostrar, havendo redes de contenção bem pagas para evitar que apareça. Quando ela se torna visível o bastante para gerar um elevado grau de desconfiança, a ponto de fazer com que uma amostra de indivíduos constatem sua presença, já não é mais necessário medi-la: torna-se imperioso combatê-la de todos os modos possíveis. Sucessivas denúncias de corrupção na imprensa já são um bom indicador do problema.
Segundo, um índice representa a fotografia de um momento. Permite apenas uma análise estática, comparações entre momentos, enquanto a corrupção é um fenômeno dinâmico, silenciosamente entranhado nas relações sociais. Em geral só é percebida depois de fazer estragos por longos períodos. Além disso, há muitos tipos de corrupção, que vão desde “colar” na prova, utilizar instrumentos de medida fora de padrão, falsificar o exame médico para frequentar a piscina do condomínio, subornar o policial rodoviário para fugir à multa, até viciar licitação pública, utilizar informação privilegiada no mercado financeiro, vender segredos industriais aproveitando posição dentro da empresa etc. Quando as práticas de corrupção atravessam todo o tecido social, atingindo desde o adolescente na escola até o detentor do cargo público e o dirigente empresarial, o mal se alastrou de tal maneira, que a corrupção tornou-se modo de vida, foi incorporada pela cultura. A medição qualitativa do fenômeno já deveria, num caso assim, ser suficiente para ensejar medidas corretivas e ações coletivas por mudanças nos valores, independentemente de qualquer “medição quantitativa”.
Em síntese, há fenômenos (entre eles a corrupção) para os quais deve-se abandonar por completo o esforço de mensuração quantitativa. Para compreendê-los adequadamente, será necessário construir métodos inovadores, de medição qualitativa. É preciso descobrir caminhos para medir sem quantificar, indo na contramão do que vem fazendo a Economia nos últimos anos, por vezes desconsiderando sua condição de ciência social e se arvorando em ciência exata.
A corrupção é tão perversa para a vida em sociedade e para o progresso, que parece ocioso saber em que grau é praticada. Antes de saber a que ponto chegou, é mais importante descobrir porque cresceu, porque se tornou parte das atitudes quotidianas de um número expressivo de indivíduos. Por que o funcionário público se deixa corromper? Por que um cidadão se coloca na posição de corruptor? Por que um aluno “cola”? Por que as verbas públicas são desviadas? Será que na raiz desses comportamentos não está a exacerbação do individualismo, o fomento ao consumismo, num contexto de crescente dificuldade de acesso à riqueza gerada? Será que apenas com medidas punitivas e com o aumento do número de “fiscais” é possível baixar o grau de corrupção?
Talvez seja mais produtivo focar a corrupção de modo contrário ao que permite um índice de percepção. Enquanto este índice enfatiza um aspecto negativo da sociedade, um indicador que se voltasse para a detecção dos fatores positivos relacionados à ausência de corrupção daria importância ao lado positivo do mesmo assunto. Por que não entrevistar pessoas a fim de verificar o grau de rejeição à corrupção? Elas teriam que pensar em si mesmas, ao invés de julgar o intangível “outro”. Também poderiam ser chamadas a opinar sobre formas de banir o mal que rejeitam no discurso.
Poucos são os que, como um conhecido político paulista, não se inibem ao dizer: “Roubo, mas faço”. Mas devem ser poucos também os que fogem à condição de agente econômico racional-maximizante previsto pela teoria econômica ortodoxa. Ou seja, um ingrediente básico do comportamento econômico é o egoísmo: cada um age por si, na busca do melhor para si. Se assim é, qual a razão para crer que existe um freio para a busca individual de prazer imediato, para o hedonismo? Seria o homem egoísta somente até o ponto em que passa a se comportar como lesa-sociedade? Seriam as instituições e leis suficientes para produzir um freio? Qual deve ser a força do freio quando a energia favorável ao egoísmo impulsiona o bólido dos desejos para frente com força crescente?
A INDÚSTRIA DO ROUBO E DO FURTO
O roubo e o furto tornaram-se uma instituição na sociedade mercantil. Seus adeptos, desde o simples “ladrão de galinhas” até o mais astuto e poderoso chefe de quadrilha, agem com base numa ética própria, mais inviolável que a prevalecente entre os cidadãos honestos. A eficácia do “trabalho” praticado pelos “profissionais” do crime também é superior ao da indústria tradicional. Dado o grau de risco, a margem de erros tende a ser muito menor e as inovações são uma constante, para que o criminoso possa estar à frente daqueles que o combatem. Em muitos casos, também no campo das “despesas de representação” o crime organizado se mostra mais competente: adotam “programas sociais” mais abrangentes e acolhedores que a filantropia tradicional.
O roubo e o furto criam, enfim, uma sociedade paralela. E o fazem sem romper totalmente com a sociedade “normal”. São muito evidentes e fortes os elos entre a sociedade do trabalho e do empreendimento e a sociedade da apropriação sem contrapartida. São conhecidas as dificuldades para coibir a colaboração entre bandidos e polícia; relações inaceitáveis já foram detectadas entre seguradoras e criminosos; sistemas de cobrança por “proteção” são práticas que comerciantes aceitam para não serem incomodados. Mais grave que a existência dessas relações são, primeiro o fato de que crescem exponencialmente e, segundo, a constatação de que são construídas e consagradas sob a hegemonia do crime.
O cidadão comum, temeroso, reage às ameaças de modo perverso: procura fazer sozinho o que a sociedade inteira não consegue: criar um cordão de isolamento entre o seu mundo “normal” e o mundo do crime. Quando pode, constrói verdadeiras fortalezas, isola-se em condomínios fechados, adquire carros blindados, contrata seguranças. Quando não pode, arma-se precariamente, clama por segurança pública, abandona o espaço público à noite. Esse comportamento, por sua vez, faz florescer uma enorme indústria de aparatos e serviços, destinados a proporcionar segurança (proteção pessoal e patrimonial, blindagens, armas, equipamentos de detecção de veículos ligados a satélites, sistemas de proteção com câmaras e alarmes etc.) ou a remediar os desastres provocados pela insegurança (seguros de vida, seguros contra roubos residenciais, de veículos etc.).
Esse estado de coisas impede que se pense o roubo e o furto como uma patologia no corpo são da sociedade. As práticas criminosas destinadas a oportunizar acesso às riquezas ilicitamente têm que ser encaradas como uma parte integrante desse corpo, dando-lhe aspecto e aparência desagradáveis. Utilizando essa metáfora do corpo, pode-se constatar com facilidade que a sociedade não tem aparência indesejável porque exibe uma ferida (que poderia ser curada), mas sim porque é normalmente desengonçada (exigindo intervenção genética para mudar).
CRIME, CORRUPÇÃO E CAPITAL SOCIAL
A confiança existente entre os agentes econômicos/atores políticos é um ingrediente fundamental no processo de desenvolvimento, a ponto de ser considerada a base do capital social por Robert Putnam[1]. Para ele, as sociedades em que os indivíduos conseguem estabelecer amplas redes de confiança são as que mais rapidamente se desenvolvem. Como o crime e a corrupção reduzem drastricamente a confiança possível entre os indivíduos, dificultam o acúmulo de capital social e atrasam o desenvolvimento (sendo impossível captar quantitativamente esse efeito econômico). Portanto, quanto maior o 4o. setor em uma economia, maior o obstáculo para que consiga avançar. Numa economia com essa característica, o combate às práticas ilícitas passa a ser condição sine qua non para o progresso. Desta maneira, encontrar formas efetivas de promoção desse combate é algo urgente. E já deve estar claro que não se trata (apenas e isoladamente) de pôr a polícia nas ruas, de buscar auxílio militar internacional (como no caso Colômbia-Estados Unidos), de criar leis severas, de assegurar o cumprimento de penas ou de reformas sistemas penitenciários. Trata-se de buscar formas concretas de fortalecer valores que a sociedade mercantil, tal como se apresenta, impede que se disseminem.
Como fazer? É um debate que vale a pena e no qual os economistas têm muita contribuição a dar, desde que abandonem a idéia fixa de que sua ciência não pode e não deve imiscuir-se questões que envolvam juízos de valor. Afinal, o conceito sobre o qual se assenta toda a lógica mercantil (que os economistas procuram explicar “tecnicamente”, assepticamente) é o de propriedade, que não sobrevive à mais fraca tentativa de acusação de que parte de um juízo de valor. O conceito de propriedade é um se for considerado um direito “sagrado” a priori e é outro se for relativizado pela sua função social. A escolha de um ou de outro depende de juízo de valor.
[1] PUTNAM, Robert D. Comunidade e democracia: a experiência da Itália moderna. Rio de Janeiro: FGV, 1996.
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