Valdemir Pires
Sobre viver o momento e sobreviver ao momento
Atualizado: 5 de jun.

“Viva o momento!” é uma das frases “motivacionais” mais corriqueiras, hoje em dia, face à fragmentação do tempo a que todos estão expostos na Modernidade, mormente na agora nomeada “Modernidade Líquida”, em que o tempo “escorre pelas mãos”. Viver o momento soa como: “Feche as mãos!”, não deixe o tempo escorrer.
Entretanto, a frase que parece um antídoto ao transcorrer pós-moderno, líquido, fugidio, do tempo é, de fato, vazia de significado se não devidamente refletida. Aproveitar o tempo, viver o momento, clama por intensidade, mas, a maneira imediata de buscá-la é viver experiências em sequência, na linha do entretenimento: “Não deixe o tempo passar, passe-o experimentando o mundo, sem cessar. Inverta o agente da corrida: seja ele você, não o tempo.”
Em que pode isso resultar? Em ansiedade, em stress, em cansaço crônico, em total perda de sentido: quem caminha, espera chegar; se não chega nunca, como fica? Claro que a isso, logo alguém responderá: “O que vale é o caminhar, não o chegar”, confirmando seu posicionamento “existencialista pós-moderno” – não há sentido nem chegada, a vida é este estar lançado no mundo.
Regressando à frase em suas origens gregas, pode-se de algum modo “salvá-la”. O modo do grego antigo de pensar o tempo em quase nada se assemelha ao ocidental moderno. Havia entre eles pelo menos três noções temporais explicadas pela mentalidade mitológica que os caracteriza: Chronos, Kairós e Aion. Bastam as duas primeiras para ajudar no resgate aqui aventado.
Enquanto Chronos refere-se ao tempo que passa sem cessar e não retorna, o tempo do relógio, que engole tudo que existe, fazendo com que desapareça (ou se transforme em outra coisa, conforme a escola filosófica a que se filie – Parmênides ou Heráclito), Kairós é o tempo da oportunidade, na qual o que tem possibilidade de vir a ser vem a se tornar. É abraçando o tempo como Kairós que “momento” passa a ter um significado promissor, enquanto conjuntura: constelação de fatores que se apresentam simultaneamente e que oportunizam certas ocorrências e manifestações. Se momento é isso – uma conjuntura ou uma fase da vida, por exemplo – aproveitar o momento é estar atento aos acontecimentos e desdobramentos das ações para, decidindo e agindo oportunamente, obter sucesso nas buscas que se está empreendendo. Pressupõe-se, portanto, que uma busca – um objetivo, uma meta, um projeto de vida – esteja presente quando a oportunidade se apresenta: é isso que falta perceber dentre aqueles que querem se lançar ao momento, esperando que ele lhes presenteie alegrias sem que nada tenham feito para isso senão entregar-se ao tempo presente, como se não viesse a haver amanhã. Essa gente peca (e eu também) por não acreditar que “só é possível filosofar em grego e alemão”, como dizia Heidegger. Mas peca sobretudo por desejar bônus sem qualquer ônus, como se não houvesse o inferno ("os outros", segundo Sartre).