Sobre PLANK, David N. Política educacional no Brasil: Caminhos para a salvação pública. Porto Alegre: Artmed Editora, 2001. Trad. Posfácio de Paulino Motter e Candido Alberto Gomes. 231 páginas.
No Brasil há muito tempo existe um consenso generalizado sobre a importância e a urgência de melhorias no sistema educacional, visando torná-lo mais acessível e de melhor qualidade. Em Política Educacional no Brasil, David Plank passa em revista os fatos e acontecimentos que marcaram as últimas 6-7 décadas da história da política educacional e das práticas de gestão do ensino no país. O diretor do Centro de Política Educacional e professor do College of Education da Michigan State University, não faz apenas esta constatação. Conclui, também, que “A concordância sobre o que deveria ser feito não tem resultado em ações suficientes para promover mudanças.” (p. 11). Por isso, o país amarga um aparentemente incompreensível atraso educacional, que atravanca o desenvolvimento socioeconômico e o avanço político-democrático e o coloca em incômoda posição no ranking internacional. Por quê?
Com riqueza de dados e muita clareza argumentativa, Plank vai aos poucos construindo sua tese central: a de que a causa da baixa qualidade da educação a que têm acesso os brasileiros não se deve à escassez de recursos (materiais, humanos ou financeiros) ou à incapacidade de gestão técnica e/ou política e, muito menos ainda, a um comportamento padronizado das elites voltado única e exclusivamente para a defesa de interesses de classe; o que impede que o sistema educacional seja alvo de reformas que o façam cumprir seu papel (a respeito do qual há clareza e concordância) é o padrão de comportamento político dos responsáveis pela sua condução. Os atores do sistema educacional são agentes econômicos individuais que visam à maximização de sua satisfação pessoal (do mesmo modo que o produtor e o consumidor atuando no mercado). Por isso, tomam decisões e fazem encaminhamentos quotidianos que distanciam a gestão operacional das diretrizes publicamente anunciadas pelos documentos e discursos governamentais que delineiam a política educacional. Nas palavras do autor: “...há uma disjunção radical e sistemática entre os objetivos educacionais publicamente declarados nas Constituições, nos planos de desenvolvimento e nas promessas de campanha e os objetivos realmente perseguidos pelo sistema educacional.” (p. 19) De fato, “...os objetivos privados geralmente assumem precedência sobre o interesse público.” (p. 19). É por isso que sempre que se instaura o debate em torno dos assuntos educacionais, os esforços se canalizam em torno da disputa pelos meios e não pelos fins (quase sempre consensuais).
Depois de apresentar, como pano de fundo ou macroambiente, uma visão panorâmica do desenvolvimento brasileiro, levando em conta uma economia e sociedade marcadas pela desigualdade (que a industrialização recente não rompeu) e um sistema político que não conseguiu enraizar a democracia e constituir partidos fortes (capítulo 2), Plank começa a tratar da política educacional propriamente dita. Primeiro caracterizando o sistema educacional em sua evolução desde a Revolução de 1930, discutindo aspectos como financiamento, estrutura administrativa, matrículas e desempenho (capítulo 3). Depois aponta os confrontos entre os fins públicos e interesses privados na implementação das políticas educacionais, identificando o clientelismo e o empreguismo como marca comportamental constante (capítulo 4). Em seguida (capítulo 5), mostra que “Nos últimos 60 anos, a política educacional brasileira tem visado primordialmente ao controle dos meios, em vez de à consecução dos fins.” (p. 139), justamente porque é o controle dos meios que oferece aos políticos populistas e clientelistas recursos para a manutenção de suas bases de apoio. Ao discutir a mestas e instrumentos das políticas, conclui que o debate centralização x descentralização responde muito mais à disputa por controle de fatias de recursos do que ao esforço por melhorias no atendimento das necessidades dos educandos. Encaminha-se para uma discussão sobre as perspectivas de reforma (em meados dos anos 90), depois de contrapor educação e desigualdade na realidade brasileira e concluir que as desigualdades presentes no interior do sistema educacional são em grande parte reflexo das desigualdades mais amplas que marcam toda a sociedade brasileira.
As perspectivas vislumbradas por Plank não são nada animadoras. Os problemas a enfrentar para uma reforma são de grande monta, pois localizam-se fora do sistema educacional: “Aqueles que têm a seu cargo o sistema educacional não ignoram os problemas que enfrentam nem são desprovidos de recursos para implementar as soluções. O que lhes falta é a capacidade política para realizar a mudança. Essa falta de capacidade possui duas dimensões. De uma lado, tem origem em um sistema político estruturado para maximizar a decisão administrativa e minimizar a responsabilidade política. (...) Por outro lado, (...) tem origem na ausência virtual de partidos políticos fortes ou outras estruturas organizacionais capazes de agregar e orientar o apoio popular para a mudança. (...) A consequência dessa falta de capacidade política é que o sistema educacional responde pronta e eficientemente às demandas que lhe são feitas pelos grupos poderosos e claramente identificáveis, mas o faz de maneira lenta quando atende às demandas de interesses menos influentes.” (p. 181-182). Para o rompimento deste quadro, o autor considera a eleição de Fernando Henrique um salto, mas ainda insuficiente, pois é necessária a “...emergência de organizações políticas autóctones e independentes do controle estatal, que sejam capazes de transmitir as reivindicações populares aos que têm o sistema político a seu cargo.” (p. 185). Em suma, a educação, que é apontada por muitos (inclusive pelos organismos multilaterais, como ONU, FMI, Banco Mundial e CEPAL, no caso da América Latina) como um dos elementos fundamentais para a ampliação de capital social (que representa a competência política dos agentes para tomar decisões e o grau de confiança com que se relacionam para fazê-lo) é, ela mesma, em sua qualidade, entendida como resultante do capital social que a precede!
Paulino Motter e Candido Alberto Gomes, competentes estudiosos e militantes da área educacional no Brasil, são menos pessimistas em seu posfácio. Ao apresentarem os desdobramentos da política educacional do período 1995-2001, em complemento ao livro (que abarca o período 1930-1995), identificam um “fim da paralisia” no campo educacional, desde o governo Itamar Franco, com intensificação no governo Fernando Henrique. Mas não chegam à euforia que aparentam os discursos e propagandas do MEC, que apresenta as mudanças recentes (Fundef, provão, ampliação das matrículas etc.) como verdadeiras revoluções. Para eles, os avanços foram significativos, mas apresentam, eles mesmos, problemas e fragilidades que não autorizam o traçado de um cenário desprovido de riscos de retrocesso, em função principalmente da ubiquidade do MEC, da inelasticidade fiscal, da tansitoriedade do Fundef, da passividade e exclusão de atores relevantes e da imutabilidade do sistema político.
(Publicada na Revista Comunicações, ano 9, n. 1, jun 2002, p. 274-276)
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