Valdemir Pires
Palavra

No falar, que seria do tempo, não fosse o verbo? De onde o verbo, não fosse o sujeito, constituído pelo substantivo, nomeado pelo pronome e colorido pelo adjetivo? Tudo palavras. E o nada? Palavra também.
A palavra, este artefato humano, a principal ferramenta daquilo que somos e do que poderemos ainda vir a ser. Cindida em idiomas e eivada de dialetos. Construção que nunca será concluída, porque terminada a parede, rompe parte do alicerce; terminado o telhado, desaba um caibro.
A palavra, que serve para comunicar - falar, para expressar - dizer e também para esconder o real, até mesmo do próprio falante, quando oculta desejos atrás de objetivos, metas, missões. Serve, sobretudo, para pensar – falamos o tempo todo, ainda que em silêncio.
Ah, palavra! Com que se pretende levar o outro a ver coisas. Não raro, coisas que não existem, como o amor: algo que está em nós, condição para nossa existência, mas que não se pode ver, nem tocar – apenas sentir. Amor, que atravessa o nada pela via também invisível (mas tão palpável!) que é a paixão, que quando acontece parece ser tudo.
A palavra, este sucesso: a maior realização humana, que fracassa, sempre, quando quer trazer consigo o próprio real, que de fato lhe foge, cedendo somente parte de si à razão (este olhar seletivo), sem a qual – gramática que é – não existe a palavra.
Palavra que, dita, presentifica, ao nomear e incluir no espaço e no tempo o que antes repousava no mar da inexistência.
Palavra que conecta, mesmo quando é para tragicamente separar: uma declaração (conjunto de palavras) de guerra, por exemplo.
Palavra que liberta (por exemplo, do engano, ao esclarecer), mas também prende (ao preconceito, por exemplo); que condena, que eleva e diminui, que encontra e perde na busca que é o viver...
Ah, palavra! Substantivo, que dá corpo e insere no espaço. Pronome que individualize e constitui o falante (sujeito) e coloca diante dele os objetos. Adjetivo que colore e diferencia. Verbo que anima e temporaliza para haver movimento. Numeral, que ordena parte do caos que é o real. Artigo, advérbio, preposição, conjunção, interjeição... Sílaba, a música que o falar esconde, mas não suprime; letra, o salto para a fala silenciosa que dá até aos já mortos a condição para dialogar com os vivos. Ideia, raciocínio, argumento – palavras, palavras, palavras. Nunca somente palavras – a vida, o real, o acontecimento (acontecido, acontecendo ou por acontecer) como fazeres e trocas essenciais entre os viventes.
Palavra, perturbadora do silêncio, mas, ao mesmo tempo, aquela que o salva da inexistência: que seria o silêncio sem o ruído? Como saber o que é um e o que é outro sem recorrer à palavra que, som, guarda dentro de si também o silêncio?
Ah, palavra: contigo amo, odeio, sou festa ou funeral, vivo e morro... Palavra, que eu amo e, assim amando, amo (anonimamente e talvez platonicamente) a todos que a compartilham comigo, amo a Humanidade que a inventou e cultiva. E, por isso, temo tudo que que lhe seja obstáculo, tudo que ameace o diálogo, impossível sem palavras, ideias, raciocínios, argumentos.