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Os cem melhores contos brasileiros do século

  • Foto do escritor: Valdemir Pires
    Valdemir Pires
  • 3 de mai.
  • 3 min de leitura


Leia na coluna Café com Pires, no Diário do Engenho


O conto é um gênero literário cuja principal especificidade é a condensação do relato num pequeno volume de palavras, com resultados muitas vezes surpreendentes. Depois de alguns minutos mergulhado na trama ágil e ardilosamente mente tecida, o leitor exclama: “Uau!”.


O tempo exigido pela leitura de uma novela ou romance é suficiente para se ler oito, vinte ou quarenta contos, dependendo da extensão daquele (200 páginas, por exemplo) e destes (25, 10 ou 5 páginas, que costumam caracterizar o conto, havendo os muito breves, com até duas ou três páginas, apenas). Sem se levar em conta a loucura hoje reconhecida do microconto, com incríveis uma ou duas frases.


Há leitores que gostam de romances e não apreciam contos, e vice-versa. E há os que mergulham com prazer em ambos os tipos de narrativa literária, sabendo desfrutar os diferentes estados de espírito suscitados por um e outro: são apreciadores mais completos da literatura, chegando à plenitude se agregarem ao menu textos poéticos e teatrais, além de crônicas e ensaios.


Os cem melhores contos brasileiros do século, soberbamente selecionados por Italo Moriconi para a Objetiva, no início dos anos 2000, é uma obra que imediatamente atrai o leitor costumeiro de contos, assim como o leitor pleno (de todo tipo de obra literária) e, além disso, tem potencial para aproximar o não apreciador da narrativa curta (contos e crônicas) ao universo singular dos contadores de histórias. Isto porque esta centena de pequenos e luzidios textos conduz quem dela se aproxima a um universo de situações riquíssimo, desde aquela em que sofre e chora a família cuja cadela amada será sacrificada com um tiro (que a pontaria inepta atinge uma perna), até aquela em que o filho acometido de AIDS retorna, depois de muito tempo longe, à casa da velha mãe, sem forças para lhe dar a notícia; e passando por uma cujo enredo fantasmagórico põe em cena um macaco recolhido na mata, que termina destruindo uma família.


Com efeito, dedicar dez ou mais horas à leitura de uma longa coletânea de contos proporciona uma sensação e um aprendizado muito diferentes dos obtidos destinando o mesmo tempo a um romance com igual número de páginas. No romance se mergulha em profundidade no rio ou mar de palavras; na coletânea de contos, tudo se dá como no caso do nadador que alterna braçadas na superfície com pequenas imersões de curto fôlego. Respirar e prender a respiração acontecem em ambos os casos, mas a duração de cada etapa varia, com distintos efeitos sobre os pulmões e o estado do praticante (no corpo ou no espírito, conforme seja a prática – natação ou leitura).


Em se tratando de uma coletânea de contos de diferentes e numerosos autores, como é o caso em pauta aqui, a experiência degustativa é fabulosa. Não só as temáticas, como também as formas variam, num colorido sem igual, amplificado pelo fato de se tratar de textos produzidos ao longo de cem anos, aglutinados pelo organizador em décadas (dos anos 1960 a 1990), em duas décadas (1940-50) e três décadas (de 1900 a 1930), com a tentativa de caracterizar os períodos com um curto texto introdutório, que complementa a modesta e bem urdida introdução ao conjunto.


Os autores escolhidos não deixam dúvidas quanto à qualidade e representatividade no âmbito da literatura brasileira. É certo que qualquer um pode dar pela falta de um nome ou outro (eu mesmo, reclamo da ausência de Wander Pirolli, para mencionar apenas um), mas não há dúvida de que Moriconi deu um passo certeiro e firme com as opções que abraçou. Ali estão de Machado de Assis a Sérgio Sant´Ana (e seu filho André Sant´Ana), de Graciliano Ramos a Rubem Braga, de Érico Veríssimo a seu filho Luis Fernando Verísimo, de Dalton Trevisa a Clarice Lispector (ambos com mais de um conto), entre outros e outras de igual estatura. Uma arca do tesouro do conto brasileiro, que nada fica devendo ao conto universal, por ele enriquecido pelo tecer de palavras de autores com uma sensibilidade, à flor da pele, marcada pela singularidade de um país de lento desenvolvimento econômico, que num salto passa do rural ao urbano, sem jamais desprender-se de uma mentalidade escravocrata mesclada por um “complexo de vira-latas”, repleto de contradições no seu também lento e precário amadurecer rumo à democracia de massas.

 

(Referência: MORICONI, Italo (Seleção de). Os cem melhores contos brasileiros do século. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001, 618 p.)

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