O tripé para o Brasil sonhar ser China
- Valdemir Pires
- há 5 dias
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A China é, atualmente, objeto de inveja, cobiça e ódio – pecados capitais absolutamente típicos do capitalismo e, ainda mais, de qualquer imperialismo ou colonialismo. Aparentemente, o Brasil comete apenas um desses pecados em relação a Pequim: inveja; nem tem capacidade para ir além.
Se essa inveja brasileira puder se converter em planejamento e ação para se tornar orgulho (pecado capital que soa, no caso, como um pecado venial), o Brasil terá dado um passo cavalar no seu desenvolvimento socioeconômico.
Para ter no futuro um orgulho de chinês pelo desempenho socioeconômico de seu país, o brasileiro atualmente invejoso necessitará elevar-se sobre um tripe que precisa construir. Trata-se do tripé cujas pernas são a ampliação da classe média urbana, a qualificação da educação e a inovação industrial. Como se trata de um tripé, não se sustenta em pé cao lhe falte ou seja insuficiente uma de suas pernas. De modo que o planejamento e a estratégia para alçar o Brasil na direção e ao ritmo do desenvolvimento que tem caracterizado a China no século XXI tem, necessariamente, que considerar e lidar adequadamente com as três pernas simultânea e concatenadamente.
A miséria e a pobreza são evidentíssimos impedimentos para a criação de um mercado interno suficiente para propiciar volumes de produção crescentes, principalmente em países que desfrutam de baixa participação no mercado internacional. Assim, políticas de redução da penúria entre os brasileiro não são medidas justificadas por bom-mocismo, piedade ou mesmo populismo barato: elas são condição sine qua non para que o Brasil venha a ter uma economia vigorosa, à altura de suas possibilidades em termos de recursos naturais e inserção global. O grande nó a desatar nesse tocante é a dificuldade em estabelecer um pacto nacional em torno do tema. Em vez de caminhar nessa direção, o Brasil, pelo contrário, vem se envolvendo em um conflito distributivo que não promete senão conflagração cada vez mais agudas, mormente nos anos às vésperas de disputas eleitorais. Quando se deveria estar buscando alternativas para ampliar a classe média e seu poder aquisitivo, o que se faz é fomentar verdadeiro ódio entre pobres e ricos, a minguada e esfarrapada classe média atual se posicionando contra seu próprio futuro. Em tal cenário, como ensaiar – quem dirá estrear? – um pacto por crescimento econômico com melhor distribuição de renda? Onde poderá ser encontrado o diretor, o iluminador e o cenografista para este empreendimento a ter como protagonistas os homens e mulheres do povo brasileiro?
A educação formal, levada a efeito por sistemas educacionais sob controle e supervisão estatal, de preferência com forte oferta pública, tem sido elemento fundamental ao desenvolvimento em todos os países que saíram do atraso socioeconômico. Quanto mais qualificada, no que diz respeito aos conteúdos e métodos/tecnologias adotados, e quanto mais bem direcionada na busca de objetivos nacionais bem definidos, maior o efeito da educação sobre a economia e também da cultura. O caso brasileiro atual, no campo educacional, é uma demonstração de fracasso. A não ser em diminutas ilhas, trata-se de um oceano de mediocridade e, até mesmo, de desperdício de recursos públicos e de potenciais talentos existentes entre os estudantes. Talvez se trate da política pública mais incompetente dos três níveis de governos no Brasil atual, já comprometendo o futuro próximo. Sem que a sociedade brasileira (classe média necessariamente à frente, pois é a mais prejudicada nesse campo) inicie uma verdadeira revolta contra o descalabro educacional escancarado, é provável que a distância entre o padrão de desenvolvimento chinês e brasileiro se torne mais do que abissal, galáctica. Outra vez, as mesmas questões. Em tal cenário, como ensaiar – quem dirá estrear? – um pacto por educação de qualidade acessível a uma massa maior de crianças e jovens? Onde poderá ser encontrado o diretor, o iluminador e o cenografista para este empreendimento a ter como protagonistas as crianças e jovens do país?
Não é possível aguardar que o Brasil tenha uma classe média numerosa e com poder aquisitivo menos desalentador que o atual, e aguardar os resultados de uma educação de melhor qualidade para, a partir daí, com uma demanda interna mais ampla e consistente e com uma oferta de mão de obra qualificada, começar um processo de reindustrialização sobre as bases tecnológicas requeridas pelo século XXI. A política pela retomada industrial nos padrões tecnológicos atuais precisa caminhar paralelamente à política de qualificação da mão de obra e à política de melhoria da distribuição da renda. E isso não está acontecendo nem dando sinais de que começará a acontecer em breve.
Se na disputa eleitoral, que veladamente já começou, para ocupação dos cargos executivos e legislativos nacionais, o tripé ampliação da classe média urbana-qualificação da educação-inovação industrial for obscurecido, uma vez mais, por disputas ideológicas sem perspectivas de solução e/ou por confrontos partidários em busca, exclusivamente, de manutenção de fatias de poder, será motivo para um desalento sem tamanho – a China, em uma década ou pouco mais, para os brasileiros, parecerá um mundo imaginário, de sonho inatingível, inimitável. E a questão não será, como muitos poderão afirmar, de evitar um Estado autoritário, ameaçador das liberdades (que dizem haver na China), mas sim de não conseguir que a sociedade brasileira chegue ao necessário pacto em que Estado-sociedade civil-mercado concebam, planejem e executem, em diálogo democrático, um futuro em que todos – ou o maior número possível – de brasileiros possam viver bem educados, trabalhando em organizações tecnologicamente avançadas, adequadamente remunerados, podendo, assim, desfrutar dos benefícios do mercado, em cidades de que se orgulham pelo vigor e segurança. Uma vez mas, as questões. No cenário pré-eleitoral atual, como ensaiar – quem dirá estrear? – plataformas eleitoras significativas e dignas de crédito? Onde poderão ser encontrados os postulantes a cargos para esta nobre e urgente empreitada? E, neste último caso: existe no país um eleitorado receptivo a tal plataforma eleitoral? Se não existir, o que fazer para que exista, e quem e como o fará?
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