Valdemir Pires
O tempo feminino (Dia Internacional da Mulher)

O tempo (se existir, pois há quem duvide e diz comprovar) é masculino no nome, mas não na essência, pois é dele (se existir) que tudo nasce, passa a ocupar espaço e a interagir com o mundo. O tempo é o útero do universo. E o primeiro tempo (nove meses) da vida do ser humano é feminino: tempo dentro de um útero, tempo ligado umbilicalmente a uma mulher.
Durante a gestação, dois “ocupantes” do tempo (a mãe e o filho ou filha) vivem inseparáveis, dois como se um só fosse. E disso depende a vida do ser que virá, enquanto o tempo do ser que o acolhe é transformado – a mulher experimenta (tanto biológica, como psicológica e socialmente) eventos e sensações totalmente inacessíveis a qualquer homem; enquanto “fabrica” o novo indivíduo, ela geralmente vai preparando o mundo para recebê-lo – doação sem igual do próprio tempo.
Depois vêm os anos de dependência do filho ou filha, a começar pela amamentação, passando pelos numerosos meses de cuidados que, sem a mãe, em que poderia resultar? O novo ser é nutrido e amparado, cuidado e ensinado – exigindo da mãe um tempo modificado, quanto às atividades que ela pode ou não desenvolver.
Mas se mãe é assim – toda amor e cuidados (e as exceções são tão poucas que nem podem ser consideradas), não é possível dizer que o tempo é uma mãe (depois de ter-se dito que é feminino), pois ele se parece muito mais com um padrasto, dos piores, tantas vezes. Então é isso: o tempo é feminino, mas nem sempre é uma mãe.
Bem, o tempo não é sempre o mesmo, previsível isso; como a mulher, aliás: sendo mulher, nem sempre é mãe (porque não quer ou porque não lhe calha oportunidade) e às vezes é até mesmo masculina. E tudo bem quanto a isso, tanto para o tempo como para a mulher. É a vida, na sua diversidade! Bela por isso.
Mas que há um tempo feminino ou, melhor dizendo, um tempo femininamente vivido, inacessível ao homem, isto parece haver. E também é certo que se deve percebê-lo, distinto que é, e respeitá-lo; é bom, além disso, que ele seja poetizado (pelos homens ou pelas próprias mulheres), pois é sublime e até divino, nessa sua faceta de berço de toda vida.
Outra dimensão do feminino (além daquela da mãe) é a que se manifesta na mulher como parceira do homem na aventura (e nas desventuras) da vida, mesmo quando não se busca procriação (ou buscando-se, há fracasso). Não vivem – mulher e homem – um sem o outro – isso jamais acontecerá, a não ser em excepcionalidades ínfimas. E outro, nesse caso, é a palavra-chave: não se trata apenas de outro igual, mas sempre diferente, implicando uma diferença tal que é exatamente ela que faz surgir a necessidade mútua, essa busca que está no mais profundo da essência do ser.
Por isso tudo, e mais aqui não tratado, não há nada mais terrível, nada mais torpe, nada mais execrável, que o desrespeito, os maus tratos e os assassinatos impetrados contra as mulheres, por serem elas mulheres, apenas por isso. Se desrespeito, maus tratos e assassinados já são, por si e em si, terríveis, torpes, execráveis, contra a mulher, por ser mulher, se tornam ainda piores, pois dirigidos a uma pessoa por sua condição, condição esta que não a diminui nem iguala, pelo contrário: eleva, por tudo que dá “a mais” ao mundo.
Que muitas vezes o desrespeito, os maus tratos e até o assassinato (feminicídio ou lgbtqiap*cídio) aconteçam por desejo de posse frustrado ou inadmissibilidade da diferença (o outro visto como inferior), mais inaceitável ainda: o feminino não se possui jamais (como, de resto, o masculino) – são eles “lados” da vida (construídos conforme a experiência única de cada um) que desafiam a individualidade a conviver na diferença, amar a complementariedade, caminhar na vida a dois em busca de sonhos comuns.