Um olhar para trás, no túnel da História, não deixa dúvidas acerca da relevância da intervenção do Estado na economia para a existência de sociedades com maior potencial de desenvolvimento socioeconômico e cultural, tanto do ponto de vista coletivo quanto da perspectiva individual. Esta mesma mirada retrospectiva permite compreender que, desde há muito (anos 1200), o orçamento público se tornou o instrumento por excelência da atuação governamental na vida econômica, sofisticando-se até chegar às metodologias e técnicas atuais, que fazem da gestão orçamentária um dos sustentáculos das políticas fiscais.
Portanto, é de se lamentar aquelas situações, como a brasileira, em que a orçamentação pública, na maioria dos governos subnacionais e, até certo ponto, até no governo federal, não é praticada senão como mero rito para o cumprimento das exigências legais, embora estas ostentem boa qualidade e de tempos em tempos sejam aperfeiçoadas.
Melhorar a gestão orçamentária resulta, certamente, em aprofundamento da boa performance governamental em busca do bem-estar social, mas isso tem acontecido no Brasil muito lentamente e, pior, com recorrentes retrocessos. Se isso fosse mudado, o país não mudaria da água para o vinho: continuaríamos como água, mas ela não seria mais lamacenta e malcheirosa.
Por isso, é sempre uma alegria poder discutir e ensinar gestão orçamentária para as poucas pessoas que de vez em quando se interessam pelo assunto, motivadas pelo desejo de avanços, tanto na sua atuação individual quanto na configuração da realidade coletiva em que se vive. Foi com este espírito (como sempre) que neste mês de junto estive debatendo orçamento participativo com Giovanni Alegretti e Mariângela Haswani em evento da Frente Nacional de Prefeitas e Prefeitos (vídeo aqui) e, em seguida, ministrei minicurso sobre fundamentos da gestão orçamentária para agentes do Siseb (Sistema Estadual de Bibliotecas Públicas de São Paulo) a convite da SP Leituras. Foram dois momentos felizmente intensos, posto que tratar frouxamente (menos que tecnopoliticamente) de tema tão complexo e árido costuma ser insuportável – e vão.
Encaro eventos como estes como gotas na piscina (não no oceano, que é grande demais e não foi feito pelo homem), mas – preciso crer – gotas que não sejam de água (que seria mais do mesmo), mas gotas de cloro e de algicida, que mantêm a piscina em condições de uso. Se eu não encarasse a coisa assim, seria desesperador. A gestão orçamentária no Brasil carece de transformações profundas, para ser resgatada do emaranhado legal, contábil e burocrático em que foi metida, a ponto de impedir a percepção de sua verdadeira natureza, que é a de condição essencial para o desenvolvimento econômico com uso eficiente/eficaz/efetivo e democrático dos recursos públicos.
PS.: A maioria das pessoas com quem estive discutindo orçamento público em junho de 2024 foi de mulheres. A elas, todo incentivo: a orçamentação pública de qualidade precisa da força e da sensibilidade específicas que as caracterizam como seres humanos especiais.
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