Valdemir Pires
O momento é a vida

(Para Valdemar Sguissardi, agradecido)
A vida adulta não é brincadeira. Por isso com frequência provoca saudades da infância, a fase em que quase tudo era festa e descoberta, sob a proteção dos pais, dos professores e de outros, mais velhos.
A vida adulta apresenta problemas, dilemas e dificuldades cujo enfrentamento compete a cada um; conduz a descobertas que não são fruto de mera e saudável curiosidade, mas sim constatações decorrentes de situações desafiadoras; produz o sentimento doloroso de estar só e precisar dos outros, que não se oferecem a não ser mediante conquista ou troca.
Ser adulto é viver todos os dias dentro de uma espécie de atmosfera constituída por relacionamentos e, por conseguinte, por exigências e demandas dos mais variados tipos, cada qual impondo decisões e ações que precisam ser alocadas ao longo do tempo, no mais das vezes sob pressão, uma vez que são concorrentes, redundando em escolhas. E escolhas sempre implicam, ao mesmo tempo, um pegar e um largar, nunca sem consequências.
Lidar bem com a vida – saber viver – é, portanto, estabelecer um modo manejável, minimamente suportável, senão confortável (de acordo com a personalidade sempre em construção de cada um), de convivência com os desafios em profusão que se apresentam ao longo de uma existência humana.
É ilusória a tese, o mantra (melhor dizendo), de que se deve viver à base do momento, do instante, do presente, do hoje, fechando os olhos para o antes e o depois. A não ser que se tome a fração mínima de tempo a que se dá nome de momento, instante, presente ou hoje como algo de extensão que comporte o fato de que ao se viver juntamente com outros, inevitavelmente, todo ato tem causas e tem consequências que não podem ser interrompidas simplesmente porque alguém deseja ou desejou aceitar como seu apenas um determinado momento, amputado de seu passado e de seu futuro.
Somente tomando a vida subjetiva – inteira – como o momento, o instante, o presente ou o hoje que se deve viver, relativizando (e não drasticamente esquecendo ou isolando o restante), é que faz sentido conclamar: “Viva o momento!”. Sim, porque a vida de cada um não passa disso: ela é um momento, um curto momento, algo de duração ínfima face à História; História que, por sua vez, como registro dos fazeres humanos, não passa de um piscar de olhos dentro do tempo de existência do planeta; planeta cuja idade é a de um bebê na “comunidade” de corpos materiais da galáxia. A vida, no contexto do universo, quantitativamente sequer conta. Só lhe resta o qualitativo, o sentido que lhe possa ser dado, a partir das decisões e ações de cada um (compondo uma biografia), no contraponto com as incontáveis decisões e ações dos demais (no tecer coletivo da História).
Se, então, viver o momento passa a ser, corretamente, viver a vida (e não os momentos isolados dela que possam ser almejados), só se pode fazê-lo querendo, desejando viver bem, com clareza do que isso pode ser. Viver bem, nesse caso, não é querer apenas sucesso e felicidade, mas aceitar tudo que a vida implica. Viver bem o momento, este entendido como a vida inteira (um piscar de olhos diante das estrelas), é, primeiro, aceitar sem lamentações (aliás inúteis) a condição lembrada pela expressão latina memento mori (lembre-se da morte) – a vida é um instante que vai acabar e é estupidez não aproveitá-la na imensidão de suas possibilidades; segundo, precaver-se: premeditatio malorum (algo como “antecipe o mal que pode acontecer”) – bem e mal, dor e prazer, alegria e tristeza, sucesso e fracasso são fatos da vida, inevitavelmente acontecerão sucedendo-se entre si (o que quer dizer que nenhum deles perdura); terceiro, não querer outra coisa senão viver o momento (a vida): amor fati (de Nietzsche, algo como “amor ao destino”), querer intensamente ser o dono e senhor daquilo que lhe cabe por circunstâncias e deliberações, por sorte-azar e por tentativas certeiras e equivocadas.
Memento mori, premeditatio malorum et amor fati: condições para entender e desejar o “eterno retorno”: apego apaixonado à vida (um combate de que não se pretende fugir) a ponto de querer que se repita indefinidamente, embora sabendo da impossibilidade de que assim seja, pois não passa de um momento singular, subjetivo, no meio da eternidade material objetiva.
É preciso coragem? Sim. Mas não basta. Ter coragem sem paixão é como se agarrar firmemente à coleira, para puxar o cão que teima na fuga, sem, todavia, amar o cão, sem gostar do passeio com ele, detestando seu comportamento inoportuno; ou, às vezes, sem que haja um cão preso à coleira.