Valdemir Pires
O leão da montanha

“Atrás da montanha se esconde um leão que mia”, escrevi.
E Lia leu. E também Alceu.
Cada um a seu modo.
Lia se encheu de coragem, ela que vinha definhando de tanto medo da vida.
Ela concluiu: é um falso leão esse que temo enfrentar, pois não passa de um gatinho. Mesmo que seja gatão, não chega a leão; atrás da montanha, escondido por medo.
E hoje Lia desbrava o mundo, a fundo.
Alceu, coitado! Engruvinhado, encolhido como se tivesse frio. Fugiu.
Entendeu que um leão poderoso usa da artimanha do miado para enganar quem se aproxima da montanha, onde ele se oculta para estraçalhar suas vítimas desprevenidas.
Alceu lia errado o escrito? Ou era Lia quem se enganava?
Que leão é este, atrás da montanha? Que montanha é esta? Onde fica?
Todo leão é perigoso?
Todo gatinho é inofensivo?
Por que o bicho (leão? gatinho?) se esconde, afinal?
Atrás da montanha se esconde um leão que mia.
Por que ele mia?
Mia à noite ou só de dia?
Eu acho que o leão, de fato um homem com fantasia, está rindo lá atrás,
por ter encorajado tanto a tristeza como a alegria. Com quase nada.
Suba a montanha.
Lá de cima, com seus próprios olhos, descubra se lá está um homem, um leão ou um gatinho.
Com seus próprios ouvidos, entenda o miado. É felino ou humano? Se felino, é de gato ou de leão?
Assim: nem Lia nem Alceu – eu; sorria!