Valdemir Pires
O coração do tempo

E disse um deus, deus da ciência - Isaac Newton (1643-1727): “O tempo absoluto, verdadeiro e matemático, por si mesmo e por sua própria natureza, flui uniformemente sem relação com qualquer coisa externa.” O ritmo do tempo é parte indissociável de sua natureza. O tempo pulsa por si mesmo, à revelia de tudo. O coração do tempo jamais padece de taquicardia.
Mas cadê o coração do tempo? Nunca foi encontrado. Então, inventaram e fabricaram um para ele, um coração artificial: o relógio.
O relógio é o coração do tempo. Desde que começou a pulsar (quando se tornou mecânico), nunca mais parou. E agora pulsa com perfeição quase total, tendo se libertado de pêndulos e engrenagens, que podem falhar: pulsa desde o âmago absolutamente regular da natureza – o átomo.
O coração do tempo é insensível, limita-se a pulsar. Como precisa ir sempre em frente, sem pausa ou titubeio, não se desperdiça às voltas com amores nem rancores. É insensível, imune aos sabores e dissabores do mundo, o coração do tempo.
O coração da gente, que vive ilusoriamente querendo uns para sempre e outros nunca mais, que vez ou outra precisa dar um tempo, segue em frente aos trancos e barrancos, ora correndo, ora se arrastando – acelera e desacelera diante das coisas e acontecimentos do mundo, que o tempo traz sem se importar bons ou ruins.
O coração da gente e o coração do tempo raramente se entendem e, por isso, vive-se com ansiedade (o coração do peito mais rápido que o do tempo, que parece não passar) ou tédio (o coração do peito com preguiça de acompanhar o do tempo, que se torna areia movediça que engole até o pensamento).
Nas ocasiões em que o tempo do mundo e o tempo do eu se sincronizam, a vida alcança sua plenitude. Como essas ocasiões são raras, o estratagema imaginado é esquecer o tempo – viver o momento na sua plenitude, dizem. É dar atenção exclusivamente ao relógio do peito – o coração; esquecer o coração do tempo (o relógio). É fazer do instante eternidade.
Fazer do instante eternidade... Como é que se faz? Quem experimentou, se percebeu o ocorrido, não consegue ensinar. Aliás, nunca aprendeu: sequer tem ideia de como é possível repetir a coisa intencionalmente.
O instante é um ponto na reta do tempo. A eternidade é a ausência de tempo, ela não é reta nem tem (não pode ter) pontos. O que é o instante (um ponto) face a algo que não tem relação alguma com a geometria? A eternidade está onde se encontra o coração do tempo (o natural, não o artificial), que é lugar nenhum. Aqui, onde bate o coração artificial do tempo, cada instante é um passo na direção do fim, não do eterno. Aqui, o único modo de eternizar é na memória, que não dura para sempre. Aqui, o infinito é eterno enquanto dura. Duro, isso, para o coração da gente.