Valdemir Pires
Modos de encarar o tempo

Desalento, desânimo, abatimento, esmorecimento: um modo de encarar o tempo. O presente convida à inação porque o futuro que se vislumbra não é atraente. Um não querer atravessar o rio porque a outra margem não tem nada a oferecer. A margem em que se está é pegajosa. Há o desejo de abandoná-la, mas o impulso para fazê-lo é insuficiente. O tempo transcorre como um incômodo, cuja interrupção fascina – mas não chega a ser desejada. Morte em vida, a vida se alimentando da morte, a morte roendo a vida.
O tempo, entretanto, é um convite, não uma condenação. É isso que ele é, acima de tudo: chamado, embora nem sempre gentil. Um convite para lançar-se. Atravessar o rio? Ir para a outra margem para ver, com os olhos (e não com a imaginação sombria), o que lá existe?
E se, em lugar do rio, houver um mar? Então não se estará numa margem, pensando-se (ou não) em chegar à outra. Os pés pisam a praia. Pode-se, então, cantarolar:
A vida vem em ondas
Como um mar
Num indo e vindo infinito
Tudo que se vê não é
Igual ao que a gente viu há um segundo
Tudo muda o tempo todo no mundo*
Se tudo muda o tempo todo, por que o desalento não pode ser convertido no seu contrário? O que há de definitivo, senão o fim do tempo: aquele momento em que ele deixa de ser um convite?
Enquanto convidar, enquanto houver vida, o tempo ora é rio, ora é mar – ora ondas que vêm e vão, ora a correntezas separando margens. Rio e mar, cedo ou tarde se encontram: tudo é água, em que se pode nadar (ou afogar...); em que se pode surfar, navegar...
“Navegar é preciso, viver não é preciso”** e
Não adianta fugir
Nem mentir
Pra si mesmo agora
Há tanta vida lá fora*
E aqui dentro?
*Lulu Santos
**Fernando Pessoa