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  • Foto do escritorValdemir Pires

Marcas do tempo



O tempo é impalpável, invisível, inodoro, inaudível, insípido, inabordável. Todavia, é onipresente e onipotente. Dá provas de si pelas marcas que deixa, nos seres e nas coisas, assim como na mente humana, pela via da memória (passado) e da expectação (futuro).

Não há mundo sem marcas do tempo. Tudo que há ou é, passou por um foi; e atingirá o seu será, até deixar de ser. Nesse devir incessante, o tempo é o único que é, sem ter passado nem futuro. E deixa suas marcas, permitindo que do presente se possa ver e, de algum modo, sentir, restos do passado.

O tempo deixa marcas no corpo. Marcas da deterioração paulatina da vida.

O tempo deixa marcas na mente (ou alma?). Conhecimentos e saberes, lembranças e saudades.

O tempo deixa marcas nos relacionamentos. Uniões e separações, chegadas e partidas, concordâncias e discordâncias, amores e ódios e indiferenças.

O tempo deixa marcas nos sentimentos. Coragens e temores, desejos e desinteresses, apegos e repugnâncias.

O tempo deixa marcas nas coisas. Também de deterioração: um desgastar-se aqui, um deixar de funcionar ali, um desaparecer acolá.

O tempo deixa marcas na vida em comum de todos – História. Mas essas, há que se procurá-las, fixá-las, o que nem sempre é feito com precisão, pois o passado é escorregadio e presa fácil de manipulações.

O tempo deixa marcas na cidade. Essas marcas arquiteturais capazes de magicamente transportar um passante de seu momento contemporâneo aos dias em que por entre certos edifícios caminhavam antepassados remotos: Roma ou Praga, Egito ou Jerusalém, Machu Picchu ou Antigua. Em contraste, por sua arquitetura futurista, certas cidades remetem os visitantes (e talvez os residentes) a dias que ainda não chegaram: Doha, Kuala Lumpur, Dubai, Hong Kong. Em todo caso, do que se trata é de um estoque e de um fluxo de riquezas que, nas cidades antigas, perdeu capacidade de produzir exuberâncias; e, nas cidades ultramodernas, jorra espetacularmente, na forma de especulação imobiliária sem precedentes. Mostras de que se há algo a que o tempo não é insensível, é ao dinheiro e ao poder – desde as fortificações antigas às catedrais medievais e dos arranha-céus dos século XX até o espaço construído onde nada antes era possível construir (desertos, mares, vales e montanhas inacessíveis) do século XXI.

O tempo deixa marcas, enfim, no jeito de ser dos indivíduos e coletividades, produzindo diferentes modos de sociabilidade, cooperação e disputa. Mas é impotente para gerar paz e concórdia duradouras, para por fim aos conflitos. Talvez porque ele próprio, o tempo, carregue consigo essa tensão transformadora pela oposição que é o devir, batizado de dialética pela filosofia.

O tempo, ah, o tempo: este fugitivo que anda livre, fazendo prisioneiros sem parar, marcando tudo e todos, a ferro e fogo, com seu distintivo enigmático: .

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